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A política pública sanitária de gestão da pandemia Covid-19 em Portugal baseou-se em medidas drásticas e draconianas de confinamento social e de imposição da distância física, que culminou em três períodos de estado de emergência com suspensão de direitos, liberdades e garantias.
O processo de desconfinamento gradual que se iniciará a 4 de maio, com reabertura de algum comércio e da oferta escolar a nível do pré-escolar e, mais tarde, dos 11.º e 12.º anos, revelará as marcas profundas que o processo deixou nas relações intergeracionais e, principalmente, em duas gerações.
A dos mais novos, sobretudo dos 6 aos 16 anos que viverão um longo período nunca antes experimentado de mais de seis meses sem contacto com a escola, as suas sociabilidades, desafios e aprendizagens. E a dos mais velhos que, do rótulo de vulneráveis ao de descartáveis, não conseguem pensar um futuro.
O mais relevante é que esta engenharia social orientada por modelos matemáticos e epidemiológicos pouco claros, transparentes ou partilhados publicamente (ciência tradicional do modelo 1, estilo oráculo), foi toda pautada pela política e cultura do medo, por recomendações sem base científica (porquê dois metros de distância física?), pela imposição de cercas, numa lógica coerciva e sancionatória.
Nesta experiência social o poder político não baseou a gestão da crise na confiança, na responsabilidade, na autoproteção e na solidariedade. O desconfinamento é pautado, assim, por ameaças, por alertas, pela definição possível de zonas verdes e zonas vermelhas, pela vigilância e pelo controle permanentes.
Sem sociabilidades quotidianas de convivialidade, como (re)aprenderão os mais novos o valor da cidadania, da partilha da solidariedade, do sonho e da utopia?
Por último, qual foi a pedagogia para o desconfinamento? Teremos que usar máscara obrigatoriamente nos espaços públicos fechados? Que exemplos vêm das conferências de imprensa diárias das entidades de saúde? Da classe política e dos dirigentes? Que políticas específicas foram delineadas para dar apoio a grupos de risco particularmente afetados pelas consequências das atuais restrições, tais como crianças em situações familiares difíceis ou pessoas expostas à violência doméstica, ou idosos residentes em lares com altas taxas de mortalidade?
*professor de Sociologia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Investigador no Centro de Estudos Sociais (CES), onde coordena o Observatório do Risco.