Duas famílias "escondidas" no mesmo quarto. Cáritas revela situações de pobreza extrema
17-11-2024 - 14:25
 • João Pedro Quesado (texto) , Henrique Cunha (entrevista)

Rita Valadas diz que "há um conjunto de medos que se junta ao problema da habitação", como o de ver as crianças serem retiradas às famílias.

Há casos de pobreza extrema em que duas famílias vivem no mesmo quarto, e vivem "escondidas" porque "têm medo de ser descobertas". A denúncia é da presidente da Cáritas Portuguesa, Rita Valadas, em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia este domingo, em que a Igreja Católica celebra o Dia Mundial dos Pobres.

"Se já é difícil pensar que existem dez pessoas a viver num quarto, como é que conseguimos pensar em duas famílias viver no mesmo quarto?", questionou Rita Valadas, apontando que "há muitas famílias a viverem situações verdadeiramente precárias" e que a situação nos grandes centros é "pior ainda do que nas periferias".

"Com a habitação encarecida como está, há cada vez mais gente em situação de fragilidade. E, por vezes, encontramos pessoas a viverem em situação de sobreocupação, escondidas, casos que nem são óbvios porque essas pessoas vivem da porta para dentro e têm medo de serem descobertas", revela a presidente da Cáritas, acrescentando que estas famílias "nem sequer fazem vida social, não mostram as crianças porque têm medo que lhas tirem, não deixam as crianças pedirem na rua porque têm medo de ficarem sem elas".

"Há aqui um conjunto de medos que se junta ao problema. É um problema de falta de habitação, mas ter falta de habitação com medo deve ser uma coisa terrível", considera Rita Valadas.

Questionada sobre casos de famílias desalojadas que têm crianças a ser encaminhas para centros de acolhimento, a presidente da Cáritas apontou que "durante muito tempo, e até há muito pouco tempo, não tínhamos uma grande preocupação com as crianças e isso é que é assustador".

"Durante muito tempo, não nos incomodamos com as crianças que estavam sem-abrigo na rua, porque andavam com os pais e, portanto, como andavam com os pais a situação era mais fácil de agarrar: agarrávamos a situação pelas crianças e tentávamos encontrar soluções para a vida dos pais", aponta Rita Valadas, descrevendo uma situação mais complicada na atualidade.

Na entrevista, a responsável entende que “a resiliência da pobreza é forte obstáculo à resolução dos seus problemas”, e alerta para o risco de os números poderem criar ilusão de que há evolução, quando o quadro real não é esse.