Enfermeiros admitem faltar ao trabalho
07-02-2019 - 20:32
 • Marina Pimentel, com redação

Governo decretou requisição civil. Em declarações ao programa Em Nome da Lei da Renascença, a presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros contesta a decisão e promete o endurecimento das formas de luta.

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A presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), Lúcia Leite, admite a convocação de novas greves e outras formas de luta, que podem passar por faltas sucessivas ao trabalho.

Em declarações ao programa Em Nome da Lei, da Renascença, Lúcia Leite reage assim à requisição civil decretada esta quinta-feira pelo Governo.

“Por exemplo, o Código do Trabalho prevê que qualquer trabalhador possa faltar até cinco dias seguidos ou dez dias de faltas injustificadas interpoladas. Não está a imaginar o que é, se ao nível das redes sociais, os movimentos inorgânicos conseguirem mobilizar os enfermeiros para fazerem faltas sucessivas ao trabalho”, afirma a presidente da ASPE.

Possível causa de despedimento?

O professor de Direito do Trabalho, Luís Gonçalves da Silva, diz que se os enfermeiros se preparam para faltar, das duas uma, ou apresentam atestados médicos falsos ou faltam sem justificação, o que dá direito a despedimento.

“Eu chamo à atenção que as cinco faltas seguidas ou dez interpoladas, constantes do Código de Trabalho, constituem a hipótese de haver justa causa de despedimento. Portanto, nós passamos de uma ilegalidade para outra ilegalidade. A não ser que os enfermeiros – e isso eu não quero acreditar – estivessem a pensar em faltas falsamente justificadas através de atestados médicos falsos”, afirma Luís Gonçalves da Silva.

O professor considera que a medida do Governo só peca por ser tardia. Na sua leitura, o executivo não devia ter esperado pelo incumprimento dos serviços mínimos para decretar a requisição civil.

No Em Nome da Lei, da Renascença, o presidente da Associação de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, afirma que a requisição civil deve ser aplicada de forma proporcional, apenas nos hospitais em que os serviços mínimos não foram cumpridos, não fazendo cirurgias que podem representar um “dano irreparável para o doente”.

“Em muitos hospitais há um incumprimento expressivo. A requisição é uma medida extrema da parte do Governo e que deve ser aplicada de uma forma proporcional, apenas nas instituições em que os serviços mínimos não são cumpridos.”

Alexandre Lourenço sublinha que "o direito à greve é um direito importantíssimo" e "não faz sentido aplicar a requisição civil" nos hospitais onde há acordo entre os piquetes de greve, os sindicatos e as administrações hospitalares quanto ao cumprimento dos serviços mínimos.

Governo está a atuar de "forma indigna"

Garcia Pereira, advogado especialista em Direito Laboral, considera que o Governo está a atuar de "forma indigna" e, ao contrário do que disse a ministra da Saúde, a requisição civil não produz feitos imediatos. Apenas tem valor jurídico, sublinha, a partir do momento em que a portaria da ministra Marta Temido for publicada, o que entretanto já aconteceu.

“A medida já foi anunciada com grande ribombar de trovões. A lei é claríssima: a requisição civil só é efetivada através da portaria. O efeito sociológico, em termos de impacto na opinião pública e nos trabalhadores envolvidos nesta questão, já está produzido e isto é uma forma indigna de atuar num Estado de direito”, acusa Garcia Pereira.

“Crowdfunding” vs transparência

Quanto à forma de financiamento das greves dos enfermeiros aos blocos operatórios, através de uma plataforma de recolha de fundos, a presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros diz que os sindicatos não têm nada a ver com o assunto, nem sabem quem recebeu dinheiro.

Lúcia Leite admite que o “crowdfunding” permite donativos anónimos, mas argumenta que o processo é facilmente rastreável, uma vez que todos donativos estão associados a um número de identificação bancária.

A argumentação não convence a bancada do PS, que quer avançar com legislação a proibir formas de financiamento como a que tem estado a ser usada pelos enfermeiros. O deputado Tiago Barbosa Ribeiro diz que não pode haver falta de transparência quando está em causa tanto dinheiro.

O deputado socialista diz que existe o risco de haver interesses contrários ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) a financiar uma greve que o pode destruir.

A falta de transparência do processo preocupa também o especialista em Direito do Trabalho Luís Gonçalves da Silva, que entende que há um financiamento indireto dos sindicatos, o que configura uma ilegalidade.

O Governo anunciou esta quinta-feira a requisição civil nos hospitais onde não foram cumpridos os serviços mínimos durante a greve dos enfermeiros.

Neste momento, e também de acordo com informações do Ministério, há quatro centros hospitalares onde os serviços mínimos não estarão a ser cumpridos no âmbito da greve dos enfermeiros às cirurgias, em curso desde novembro. São eles o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (em que se integra o hospital de Santa Maria da Feira), o Centro Hospitalar Universitário do Porto (que inclui o hospital de Santo António), o Centro Hospitalar Universitário de São João (no Porto) e o Centro Hospitalar de Tondela Viseu.

Nas redes sociais há vários enfermeiros a sugerir dar faltas injustificadas ao trabalho até ao limite legal e Lúcia Leite admite que os profissionais se consigam organizar nesse sentido, lembrando que o Código do Trabalho prevê que qualquer trabalhador possa faltar cinco dias seguidos ou dez interpolados.

O Movimento Greve Cirúrgica, que organizou a recolha de fundos para as duas paralisações em blocos operatórios, também já admitiu avançar com outras formas de protesto, que podem passar por abandono de serviço ou greves de zelo.

[notícia atualizada às 00h39]