O diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, Nuno Miranda, defendeu hoje que a legislação do tabaco devia ser "mais restritiva" para diminuir os casos de cancro do pulmão, o mais mortal em Portugal.
"Precisamos de encarar o tabaco como um inimigo", afirmou Nuno Miranda em entrevista à agência Lusa, a propósito do Dia Mundial do Cancro, que se assinala na segunda-feira.
Apesar dos locais de proibição terem vindo a aumentar e se ter conseguido "controlar de alguma maneira o consumo de tabaco", a "legislação vai ter que evoluir no sentido de ser mais restritiva".
"É este o caminho que os outros países têm seguido e têm tido sucesso no controlo do tabagismo e será esse o caminho que, com certeza, nós iremos ter de seguir", disse o médico oncologista.
Para Nuno Miranda, "o consumo em público devia ser mais restrito", dando como exemplo os parques públicos: "Tenho dúvidas que deva ser permitido o consumo de tabaco" nestes locais".
Defendeu ainda que deviam acabar os espaços para fumadores, porque "não há maneira de assegurar as boas condições de trabalho a quem lá trabalha".
Questionado se defende a proibição de fumar, afirmou que não: "Tudo aquilo que a história nos diz é que as formas de proibição, fosse do álcool, das drogas, tem um efeito nulo no controlo do consumo, até pode inclusive aumentá-lo e levar à existência de circuitos paralelos que lucram com isso e espalham o consumo".
No seu entender, a prevenção "é a melhor arma" para combater o cancro, realçando a importância de reduzir o consumo do tabaco, "a causa evitável mais simples" e que é "responsável por uma maior mortalidade" em termos desta doença.
O oncologista manifestou particular preocupação com o consumo de tabaco nos jovens e nas mulheres, sublinhando que está a acabar a assimetria de género em relação ao cancro do pulmão.
"Hoje em dia a mortalidade em termos de cancro do pulmão é de três mil homens para mil mulheres por ano, mas essa assimetria está a diminuir" pelo aumento do consumo de tabaco nas mulheres.
Para combater esta situação, tem de mudar a atitude da sociedade, em temos culturais, em relação ao tabaco.
"Temos que olhar para esta praga que é o tabagismo de uma forma diferente", "não podemos continuar a considerar o tabaco como uma coisa normal, é tão simples como isto", defendeu.
No caso dos jovens, não se pode ter "meramente uma atitude moralista ou só informadora", é preciso "ter mais do que do que isso e mais do que isso é mudar o comportamento cultural".
"Nós não podemos pensar que um pai ou uma mãe que fuma tem alguma autoridade moral para dizer ao filho para não fumar, porque a autoridade moral é zero", vincou.
Nuno Miranda observou ainda o "aumento significativo" da mortalidade por cancro nos Açores.
Analisando a situação do cancro em Portugal verifica-se que em "todo o território" apenas os Açores registaram "um aumento significativo da mortalidade por cancro", que está associada ao aumento do consumo de tabaco nesta região.
"Uma causa evitável é a razão da maior assimetria a nível nacional em termos de mortalidade por cancro", lamentou.
Traçando um retrato da situação da doença em Portugal, Nuno Miranda disse que é semelhante à dos restantes países europeus.
"Temos até uma mortalidade mais baixa do que a maioria dos países europeus com taxas de sobrevivência mais altas e isso deve-se" a um menor consumo de tabaco e ao "sistema que tem respondido às necessidades" e aos "bons profissionais que prestam os melhores cuidados aos doentes".
Por outro lado, o cancro tem vindo a aumentar e vai continuar a aumentar fruto do envelhecimento da população e das alterações de estilo de vida.
"Temos mais obesidade, mais sedentarismo, as mulheres têm o primeiro filho cada vez mais tarde, temos uma exposição excessiva à radiação solar", apontou.
Segundo estimativas da Agência Internacional para a Investigação do Cancro, da Organização Mundial de Saúde, o número de novos casos de cancro em Portugal ultrapassará este ano os 58 mil, com as mortes por doença oncológica a ascenderem a quase 29 mil.
Os dados adiantam que um quarto da população portuguesa está em risco de desenvolver cancro até aos 75 anos e 10% correm risco de morrer de doença oncológica.