Papa à Renascença: "O mundo está em guerra contra si mesmo"
14-09-2015 - 09:00
 • Aura Miguel , no Vaticano

Em entrevista à Renascença, Francisco comenta a crise de refugiados: "Falta a capacidade de acolhimento". Nesta matéria, lança críticas também às instituições da Igreja.

A actual crise dos refugiados é apenas a “ponta do icebergue”, diz o Papa Francisco em entrevista à Renascença. “Debaixo dele, está a causa; e a causa é um sistema socioeconómico mau e injusto”, uma sociedade e uma classe política que não põem o ser humano no centro.

“Vemos estes refugiados, esta pobre gente que escapa da guerra, que escapa da fome, mas essa é a ponta do icebergue. Porque debaixo dele, está a causa; e a causa é um sistema socioeconómico mau e injusto, porque dentro de um sistema económico, dentro de tudo, dentro do mundo – falando do problema ecológico –, dentro da sociedade socioeconómica, dentro da política, o centro tem de ser sempre a pessoa”, afirma o Papa em entrevista à Renascença, realizada em Roma, Itália.

“Onde as causas são a fome, há que criar fontes de trabalho, investimentos. Onde a causa é a guerra, procurar a paz, trabalhar pela paz. Hoje em dia, o mundo está em guerra contra si mesmo, ou seja, o mundo está em guerra, como digo, uma guerra em folhetins, aos pedaços, mas também está em guerra contra a Terra, porque está a destruir a Terra, ou seja, a nossa casa comum, o ambiente”.

Na Europa e noutros pontos do globo, “falta a capacidade de acolhimento da humanidade”. É preciso “acolher, acolher as pessoas, e acolher tal como vêm”, pede Francisco, ele próprio um “filho de emigrantes”.

Um apelo à Igreja com pouca adesão

Na entrevista, o Papa falou também sobre o apelo que fez, este mês, às estruturas da Igreja Católica para que participem no esforço de acolhimento de refugiados. “O que eu pedi foi isto: que cada paróquia, cada instituto religioso, cada mosteiro, acolha uma família. Uma família, não uma pessoa”, esclarece.

Há dois anos, o Papa tinha feito um apelo idêntico, mas só obteve quatro respostas, conta. “O assunto é sério porque aí também há a tentação do deus dinheiro. Algumas congregações dizem ‘Não, agora que o convento está vazio, vamos fazer um hotel e podemos receber pessoas e, com isso, sustentamo-nos ou ganhamos dinheiro’. Pois bem, se quereis fazer isso, pagai os impostos! Um colégio religioso, por ser religioso, está isento de impostos, mas se funciona como hotel, então, que pague os impostos como qualquer vizinho do lado. Senão, o negócio não é limpo”.

O Papa diz que “existe o perigo de infiltração” de terroristas na Europa (“Temos, a 400 quilómetros da Sicília, uma guerrilha terrorista sumamente cruel”, lembra) e afirma que a “crise laboral muito grande” que afecta a Europa, em especial os jovens.

São factores que levam muitos a temer a vaga de refugiados. Mas, diz Francisco, “se chega um refugiado, com as medidas de segurança de todo o tipo, há que recebê-lo, porque é um mandamento da Bíblia. Moisés disse ao seu povo: ‘Recebei o forasteiro porque não esqueçais que vós fostes forasteiros no Egipto.’”