Passos Coelho: “Governo não está a preservar confiança dos investidores externos”
12-01-2016 - 23:45

Reverter e destruir “é muito pouco” para definir um programa de futuro do novo Governo, afirma o ex-primeiro-ministro em entrevista à Renascença.

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O Governo de António Costa “não está a preservar confiança dos investidores externos”, alerta o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, em entrevista ao programa “Terça à Noite” da Renascença.

Como olha para estes primeiros dias de Governo?

Com bastante apreensão, não pelo facto de se estar a reverter ou a destruir o que foi feito pelo Governo que chefiei, mas porque me parece, em primeiro lugar, que reverter e destruir é muito pouco para definir um programa de futuro do novo Governo. Se a missão deste Governo é desfazer o que o anterior fez, é uma missão que se esgotará dentro de pouco tempo e que estrutura pouco o futuro. Em segundo lugar, porque muitas das coisas que fizemos dizem respeito a reformas importantes que não deviam mesmo ser revertidas.

Está a falar de?

De muitas coisas. Queria distinguir a chamada austeridade daquilo que são as medidas extraordinárias. É possível repor os salários mais depressa? Que se reponham, porque eu também não os tirei por prazer. É possível nos casos das reformas andar mais depressa, retirar a sobretaxa mais depressa?

Sobretaxa cuja devolução não vai ser possível acontecer tão depressa quanto nos disse na campanha eleitoral...

Façam o favor. Acho arriscado. Disse-o enquanto primeiro-ministro, disse-o na campanha eleitoral, de uma forma totalmente anti-demagógica, e continuo a dizê-lo hoje. Prefiro ser prudente e poupar as pessoas a mais desespero no futuro do que fazer uma política demasiado arriscada apenas com a pressa de mostrar que podemos dar. Nesse capítulo, de um modo geral, os partidos que sustentam este Governo e o próprio Governo querem acelerar este processo apenas para poderem enfatizar que o Governo anterior não tinha tido a necessidade de tomar estas medidas – as coisas funcionarão bem se estas medidas forem removidas, portanto só pode ter sido uma escolha ideológica tê-las colocado em prática. Ora, não é assim: o que este Governo está a remover fá-lo porque deixámos resultados que lhe permitem fazer isso.

Então o senhor também podia fazer mais depressa?

Mas não queria fazer mais depressa para não correr riscos para a população portuguesa.

Há agora riscos?

É uma estratégia arriscada. Temos ainda na conjuntura externa elementos de incerteza muito grandes, os países emergentes não estão a crescer ao ritmo que se estimava há um ano, a China, em particular, tem vindo, a suscitar dúvidas e incertezas para um futuro muito próximo. Ainda hoje, o Royal Bank of Scotland veio chamar a atenção para a possibilidade de um cataclismo financeiro em 2016. Há pessoas que seguem com atenção estas matérias financeiras em todo o mundo e acham que ainda há uma incerteza muito grande e que deveria conduzir países mais vulneráveis a estratégias mais prudentes. A nossa é tão imprudente quanto já houve notícia de que vamos diminuir o ritmo de amortizações antecipadas que tínhamos calendarizado relativamente ao FMI. São empréstimos que têm uma taxa de juro mais elevada do que aquela que Portugal nesta altura enfrenta no mercado. Prescindimos de poder vir a pagar juros mais baixos amortizando essa dívida porquê? Porque o défice vai ser maior do que aquele que estava estimado, a dívida pública será maior do que aquela com que nos tínhamos comprometido.

Porquê?

Por decisão política. Tínhamos programado que em 2016 o défice deveria recuar para 1,8% do PIB. Mas o actual Governo insiste que essa meta seja maior, 2,8%. Vamos concluir 2015 cumprindo a meta de não exceder os 3% e em 2016 o Governo propõe praticamente não fazer nada. Isso significa financiar mais défice do que aquele que estava inicialmente previsto. Se isso acontecer, o Governo vai ter que ir às reservas...

... aos tais cofres cheios.

Exactamente. E usar essas reservas não para poder ficar a pagar juros mais baixos no futuro, mas para poder financiar o seu défice maior. Parece-me uma estratégia arriscada. Se houver alguma coisa que não corra bem, ficamos outra vez "ai ai ai ai, quem é que nos pode ajudar?". Desistir da prudência apenas para agradar e tentar fazer um ponto político de que os malandros que estiveram no governo antes quiseram fazer mal às pessoas...

Há o risco de termos um novo resgate?

Isso representaria o pior que nos poderia acontecer.

No sector da banca, o Governo PSD/CDS não conseguiu resolver a situação do Banif.

Não conseguimos obter da Direcção-geral da Concorrência autorização para separar os activos [do Banif], vender o que era bom e tentar digerir o que era menos bom. É muito importante para futuro preservar a estabilidade do sistema financeiro para crescer. E já agora preservar também a confiança dos investidores externos em Portugal. Este Governo não o está a fazer.

Está a falar da reversão dos transportes?

Disso, da ameaça velada que foi feita sobre uma eventual nacionalização da TAP. E a solução que foi adoptada relativamente à capitalização do Novo Banco será paga a preço de ouro pelo sistema financeiro. A solução em si não me parece má, mas não ter dado a possibilidade de converter a dívida em capital significa que todos os fundos que compram obrigações e dívida pública ficam com os dedos escaldados. E assim não tomarão novas obrigações que são emitidas por bancos portugueses. Deixam os nossos bancos, sendo necessário recorrerem a financiamento, na iminência de terem de ir mais ao BCE ou de recorrerem uma intervenção do Estado.