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A partir desta quarta-feira, a Urgência de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, só vai funcionar durante o dia, entre as 8h e as 20h.
Por decisão da comissão executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), à noite serão os pediatras os responsáveis por conter os doentes mais agitados, com medicamentos e até fisicamente se necessário, até à chegada dos pedopsiquiatras na manhã seguinte.
Contudo, este é um trabalho para o qual não têm competência, denuncia à Renascença o diretor daquele serviço, Gonçalo Cordeiro Ferreira.
"Não era por acaso que havia pedopsiquiatria 24h sobre 24h. Querem que os pediatras do Hospital Dona Estefânia aprendam numa semana aquilo que os pedopsiquiatras demoram cinco anos a aprender. Os pediatras da Estefânia são muito bons, não duvido que aprendam, mas daqui a uns anos se calhar vou pedir para extinguirem a especialidade de pedopsiquiatria, porque se tornou irrelevante se os pediatras estão a fazer o papel de pedopsiquiatras."
O médico pediatra acusa o Ministério da Saúde de querer impor a Lisboa um modelo que funciona no Porto, quando se tratam de realidades bastante diferentes, a começar pelo facto de este serviço do Hospital D. Estefânia servir não apenas a região de Lisboa e Vale do Tejo, mas também Alentejo e Algarve.
Outro problema, explica Gonçalo Cordeiro Ferreira, é que na região de Lisboa há grande carência de médicos de família, bem como outros problemas sociais que se manifestam, por exemplo, na enorme frequência de intoxicações com medicamentos em crianças e adolescentes.
"A região Norte é completamente diferente de Lisboa e Vale do Tejo; a população é menor, há um conjunto de apoios nos médicos de família que não existe aqui no Sul, onde há muitos utentes sem médicos de família, e há uma enorme diversidade cultural no Sul, diferentes etnias e problemas sociais que não existem tanto no Norte."
Esta realidade faz com que "os problemas de saúde mental da área pediátrica, consumos, etc, sejam muito maiores nesta zona".
"Prova disso é o enorme número de doentes que temos com intoxicações medicamentosas, voluntárias, de adolescentes, jovens, até pré-adolescentes", indica.
O pediatra defende que deveria pelo menos "haver pedopsiquiatras de prevenção a partir das 21h" e critica uma decisão que diz ter sido imponderada.
"Esta solução de abruptamente interromper o fluxo de cuidados de pedopsiquiatria é intempestiva, não foi bem pensada, porventura terá sido pensada pelos profissionais para os profissionais e não para os doentes, quando as urgências não estão abertas para a comodidade dos profissionais, estão abertas para a necessidade dos doentes."