O Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas anunciou hoje que "viu com perplexidade" algumas coberturas jornalísticas do caso da menina de três anos que morreu no dia 20, vítima de maus tratos e de violência, em Setúbal.
"Das várias questões deontológicas envolvidas", destaca, em comunicado, "o desrespeito do ponto 8 do Código Deontológico, onde se afirma que "o jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de atos que a lei qualifica como crime".
Na nota, o Conselho Deontológico refere ainda que, segundo o Código Civil, os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respetivo titular.
O órgão realça que o ponto 8 do Código Deontológico foi revisto em 2017 e essa alteração "foi considerada um progresso na defesa dos direitos das crianças".
"A sensibilidade para a cobertura noticiosa sobre crianças tem sido um tema recorrente da ação dos últimos conselhos deontológicos do Sindicato dos Jornalistas", pode ler-se no comunicado.
Além do uso da imagem das crianças sem consentimento, numa recomendação de 3 de junho de 2009, "o CD colocava à reflexão dos jornalistas se o facto de os nomes dos menores servirem de base para a identificação pública dos denominados "casos" não funcionava como um elemento acrescido para agravar a situação de vítima das crianças envolvidas", lê-se no comunicado.
Na nota, o CD lamenta que "os jornalistas e os media se deixem afetar por acontecimentos dramáticos, de que o caso de Setúbal, agora, ou o de Peniche, em 2020, são apenas dois exemplos mais recentes, caindo em tratamentos informativos exaustivos que não preservam a identidade e a privacidade dos cidadãos e não atendem às condições de serenidade, liberdade, dignidade e responsabilidade das pessoas envolvidas".
Nesse sentido, o CD insta os jornalistas "a procederem a um debate e a uma reflexão sobre estes aspetos", considerando que "é precisamente perante casos de particular dramaticidade e na forma como trata pessoas em situações particularmente fragilizadas [...] que o jornalismo e os media se distinguem pela nobreza dos seus valores éticos, deontológicos e responsabilidade social".
"Não vale a pena argumentar perante a sociedade sobre a importância do jornalismo para a democracia quando se trata de forma negligente cada um dos seus cidadãos, a começar pelos mais desprotegidos", defende o CD.
Hoje, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) confirmou, em declarações à Lusa, "a receção de participações" sobre a cobertura televisiva da morte de criança em Setúbal, as quais "se encontram em apreciação".
Na segunda-feira, foi divulgado que o grupo parlamentar do PCP pediu à ERC que esclareça se está a pensar a pronunciar-se sobre a cobertura informativa do alegado homicídio de Jéssica Biscaia.
Questionada pela Lusa sobre se houve outros pedidos do género recebidos pelo regulador, a ERC "confirma a receção de participações, a respeito da cobertura televisiva ao referido caso, e que estas se encontram em apreciação pelos serviços da entidade"..
O regulador acrescenta ainda, numa resposta por escrito, que "quando a ERC produzir uma pronúncia, procederá à sua divulgação, como é habitual, no sítio eletrónico da entidade".
De acordo com um requerimento endereçado, na última sexta-feira, à ERC, através da Assembleia da República, a bancada comunista "requer à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que esclareça se está previsto pronunciar-se" sobre a cobertura noticiosa do alegado homicídio de uma criança de três anos, em Setúbal, no dia 20 de junho.
O PCP considera que o acompanhamento dado pelos órgãos de comunicação social foi uma "desumana exploração de tudo o que mais sórdido há neste caso".