“Números preocupantes”, é como classifica Carlos Cortes, o bastonário da Ordem dos Médicos, a diminuição do atendimento nas urgências hospitalares nos últimos meses. Em causa está uma quebra de 15% em novembro e de 9% em outubro, em comparação com 2022. Segundo dados do SNS, regista-se uma diminuição progressiva do atendimento desde setembro, altura em que os médicos começaram a entregar escusas ao trabalho extraordinário além das 150 horas obrigatórias.
Em declarações à Renascença, o bastonário afirma que está, sobretudo, preocupado com as consequências desta redução do atendimento no futuro, mais precisamente, “o impacto que isso vai ter em muitas patologias e muitos doentes que não foram adequadamente tratados”. Carlos Cortes diz mesmo que estão a chegar à Ordem relatos de “doentes que não se dirigiram ao serviço de urgência e agravaram a sua doença, muitas vezes casos que já não se viam há muito tempo”.
Segundo estes dados, em outubro realizaram-se, em média, cerca de 1.800 atendimentos diários a menos. Em novembro, a quebra de atendimentos diários disparou para quase três mil.
Uma diminuição “normal”, diz o presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, quando mais de 30 hospitais em todo o país estão parcialmente fechados ou com especialidades indisponíveis. Paulo Simões lembra, no entanto, que as pessoas não ficaram subitamente mais saudáveis.
“Se tivéssemos os mesmos dados para o setor privado, provavelmente, íamos ver aí um incremento, as pessoas não deixaram de ir à urgência, passaram a ir à que está mais próxima ou disponível”, afirma.
Xavier Barreto, presidente da Associação de Administradores Hospitalares, lembra que com esta restrição nas urgências aumentaram as chamadas para a linha SNS24, que “nalguns casos aconselharam as pessoas a não se dirigirem à urgência ou reencaminharam para outro tipo de cuidados”.
Os próprios utentes “têm medo de ir às urgências, porque chegam lá e batem com o nariz na porta”, denuncia Cecília Sales, representante do movimento de Utentes dos Serviços Públicos. Mesmo com a reorganização dos serviços, que está a ser testada, há períodos de encerramento, o que faz com que as pessoas “desistam”, já que aumenta o receio de “ficarem por lá abandonadas, nos corredores”.
“Já é tarde. Ministério tem de apresentar rapidamente um plano”
Com o início de dezembro, aumentam as preocupações com o impacto do protesto dos médicos no atendimento nas urgências e nem o acordo já alcançado com um dos sindicatos parece aliviar a pressão.
A Ordem dos Médicos sublinha que estamos no pico do inverno, altura em que “aumentam os episódios de urgência”, como “doenças respiratórias e descompensações de problemas crónicos”. Janeiro deverá ser mais fácil de resolver, uma vez que a contagem de horas extraordinárias regressa ao início, mas, até lá, é preciso fechar o mês de dezembro.
O bastonário avisa que “já é muito tarde”. Ainda assim, diz que a tutela ainda vai a tempo, mas "tem de rapidamente apresentar um plano consistente” para a atual falta de recursos humanos. Para Carlos Cortes, esta situação resulta da “incapacidade do SNS, através da direção executiva e do próprio Ministério da Saúde, darem uma resposta adequada, de organizarem o sistema de forma a que ele possa dar resposta”.
São necessários mais dados
Todos os responsáveis contactados pela Renascença - representantes dos médicos, dos hospitais e dos utentes - admitem uma relação entre as restrições nos serviços de urgência e a diminuição do atendimento. No entanto, estes dados não serão ainda suficientes para avaliar o impacto dos protestos no atendimento, nos utentes e no SNS.
O presidente da Associação de Administradores Hospitalares diz que, “para podermos fazer um juízo sobre esses dados precisamos de mais informação”. Nomeadamente, “que doentes são estes, onde ocorreu essa redução, em que tipo de doentes”.
Na mesma linha, Paulo Simões, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, lembra que estes são apenas dados registados. O cirurgião sublinha que não sabemos “quantas pessoas foram à urgência e não foram atendidas, quantas tiveram de andar de urgência em urgência e quantas terão desistido”.
Paulo Simões acrescenta ainda que não há ainda informação sobre o que está a acontecer nos hospitais, “provavelmente só quando tivermos os dados do INE é que iremos perceber se isto teve ou não consequências ao nível da morbilidade e mortalidade da população”.