Consumidores ainda "não têm consciência plena" dos custos da sustentabilidade
06-09-2021 - 17:22
 • Sandra Afonso

Luz, gás, combustível, tudo está mais caro. Um agravamento que decorre das medidas ambientais e que vai continuar a fazer-se sentir, mas a maioria das pessoas ainda não compreendeu que esta é a fatura irreversível do combate às alterações climáticas, defende Nuno Crespo.

Os consumidores ainda não têm "consciência plena" dos custos da sustentabilidade, afirma o economista Nuno Crespo, em entrevista à Renascença.

Luz, gás, combustível, tudo está mais caro. Um agravamento que decorre das medidas ambientais e que vai continuar a fazer-se sentir, mas a maioria das pessoas ainda não compreendeu que esta é a fatura irreversível do combate às alterações climáticas, defende Nuno Crespo.

O professor do ISCTE diz ainda que este é o momento de gastar dinheiro, não de cativar verbas. Considera que é urgente pôr a economia a crescer, até porque esta é a única forma de combater a pobreza e a desigualdade no país. A alternativa seriam os impostos, mas aqui não há qualquer margem.

O economista manifesta sérias reservas sobre o apoio estatal à TAP, defende que a recuperação do turismo vai ser lenta, mas aposta na produção local veio para ficar. Já o dinheiro físico tem os dias contados, deverá desaparecer nos próximos 20 anos.

Aos políticos, que agora andam em campanha eleitoral, o coautor do livro "Uma Viagem ao Mundo das Ideias Económicas" deixa um aviso: as crises deixaram os eleitores mais atentos aos temas económicos, dão mais valor ao rigor do que às promessas.


As sucessivas crises têm despertado mais interesse pelos temas económicos, por parte da generalidade da população?

Sim, creio que isso foi bem visível na última crise económica e financeira que se iniciou há pouco mais de uma década e depois, com a intervenção da troika, chegámos a ter nas notícias uma predominância quase total dos temas económicos. Acho que se enraizou nas pessoas essa maior preocupação por estes temas.

Esta maior sensibilidade e preocupação com os temas económicos também afeta as campanhas eleitorais?

É visível uma maior consciência das pessoas em termos eleitorais. As temáticas económicas ganharam uma importância acrescida e, do ponto de vista económico, as pessoas preocupam-se mais com o rigor e não tanto apenas com quem pode oferecer mais alguma coisa.

Do que observa, no dia a dia, cometem-se muitos erros de economia?

Sim, alguns devido a incapacidade de formação, outros por visões diferentes sobre as ideias económicas. Não há visões únicas sobre determinados problemas. Há visões que são conflituantes, há formas de pensar diferentes, há soluções diferentes de política económica para diferentes problemas e há políticas económicas que são mais corretas e mais adaptadas a determinadas circunstâncias económicas.

Se queremos seguir a mesma receita em períodos de crise, em períodos recessivos, e queremos seguir exatamente a mesma receita em fases expansionistas, provavelmente iremos incorrer em erros, porque estamos em fases do ciclo económico completamente diferentes. Ideologias diferentes, levadas ao extremo, sem capacidade de adaptação dessa matriz que está por trás, leva muitas vezes a esses erros de política económica.

O ministro das Finanças, na linha do que já fazia o antecessor, tem mantido a política de cativações. João Leão era o braço direito de Centeno, quando este conseguiu chegar a um superavit, mas o atual titular das Finanças acabou por herdar uma economia em crise. Regressar a um excedente orçamental é um objetivo importante?

Não é absolutamente imperioso que nós tenhamos superavits! Para mim, a medida fundamental é o défice em percentagem do PIB, enquanto consigamos garantir níveis de crescimento do PIB relevantes, algum défice não é necessariamente negativo. Como eu dizia, as políticas devem ser ajustadas ao momento e este é um momento de crise, não é um momento em que a preocupação central deva ser a obtenção de excedentes.

Neste momento é razoável que o país suporte défices, que o estado tenha um papel de alavancar um pouco a economia, dinamizar a atividade económica, fazer com que a recessão não seja tão profunda e, depois, chegará o tempo de garantir esse superavit. Não é adiar para um dia indefinido, trata-se apenas de um ajustamento intertemporal.


Mas o ministro também não pode perder o controlo sobre o défice?

Neste momento devemos estar preocupados em não ter um défice demasiado profundo. Mas temos que contrabalançar isso com a necessidade imperiosa do Estado acudir às consequências que emergiram desta crise, para muitas empresas que estão em risco de fechar, para muitas famílias que perderam rendimentos, perderam o emprego nalguns casos. A prioridade neste momento é para alguma política expansionista, não para uma política virada exclusivamente para obtenção de superavits.

Outro efeito da pandemia foi o agravamento das desigualdades. Em termos económicos, como é que se pode combater?

Para que possamos repartir um bolo temos que ter o bolo! Para partir fatias maiores precisamos de um bolo maior. Portanto, a primeira dimensão fundamental no combate à desigualdade é o crescimento económico. Se quisermos pensar em igualdade ou tentativas de diminuir a desigualdade sem crescimento, seremos conduzidos ao empobrecimento. Certamente não é esse o tipo de igualdade que nós queremos! Queremos que todos tenham mais e uma distribuição mais equitativa, não que todos tenham menos.

Em Portugal, que medidas serão necessárias?

A primeira condição, absolutamente indispensável, é revertermos esta tendência de crescimento demasiado lento da economia portuguesa, recuperar rapidamente uma tendência de convergência real que há muito está perdida, nomeadamente, com o resto da Europa.

A segunda condição tem a ver com o forma como depois se redistribui essa riqueza que é criada, tem a ver, nomeadamente, com a tributação, embora aí eu acho que não se pode fazer muito mais. Em sede de IRS nós já temos uma tributação fortemente progressiva, não creio que haja muita margem para ir muito mais por essa via, para além disso tivemos acréscimos do salário mínimo muito significativos ao longo da última década em Portugal, creio que estaremos também aqui muito perto do limite. Portanto, a grande aposta é no crescimento, é a aposta na geração de riqueza.

O apoio estatal à TAP responde a essa aposta no crescimento?

Há visões distintas, quanto à razoabilidade ou à bondade da intervenção do Estado na TAP e sobretudo da magnitude do esforço que é exigível, neste caso aos contribuintes, para assegurar essa intervenção. Alguns concordam que se justifica essa intervenção, mas teremos também bastantes analistas e pessoas em geral que acham que o esforço que se está a alocar a um único objetivo, por mais importante que seja, é porventura excessivo.

Concorda com a medida?

Eu tenho algumas reservas. Acho razoável, até certo ponto, que haja uma intervenção na TAP, acho que o esforço financeiro que neste momento está em cima da mesa é porventura excessivo para aquilo que são os benefícios. Percebo os interesses de se defender uma companhia como a TAP mas, nas atuais circunstâncias, não creio que o que uma companhia de bandeira possa trazer ao país seja de tal forma significativo que justifique um esforço tão avultado como aquele que está a ser feito. Portanto, tenho sérias reservas quanto à magnitude da intervenção.

A sustentabilidade entrou na ordem do dia. Acha que as pessoas já perceberam que este caminho, inevitável, vai ter um custo? Por exemplo, com o agravamento já visível do preço do gás natural, que está a substituir os combustíveis fósseis? Não, mas caminho é inevitável.

Acho que a opinião pública, em geral, ainda não. Há, obviamente, pessoas com um nível de consciência mais significativo sobre isso. Agora, há padrões de consumo que estão enraizados, a tradição em si tem custos e, portanto, é um processo doloroso e difícil, como todos os processos de ajustamento de padrões de produção e de consumo.

Respondendo diretamente à sua pergunta: não, ainda não há uma consciência plena, acho que há muito trabalho a fazer nesse sentido, mas é absolutamente inevitável. É das maiores preocupações que existem a nível internacional, a pressão está aí, os dados são visíveis o recente relatório das Nações Unidas veio trazer isso ainda mais para a ordem do dia, porventura com uma gravidade acrescida.

Um dos efeitos desta pandemia, numa primeira fase, foi obrigar as economias a serem o mais autossuficientes que conseguissem. Esta tendência deverá manter-se, ou será tudo reposto? Vamos assistir à reconfiguração dos mercados internacionais?

Em termos internacionais, assistimos a um fenómeno de uma certa tendência negativa de desglobalização, de decréscimo da globalização, como tentativa de resposta a esta crise e até à dificuldade de circulação internacional dos bens.

Se eu acho que isto se vai manter. Eu acho que se vai parcialmente manter, por várias razões. Eu daria apenas duas, que tem a ver com a crise e, por outro lado, com uma pressão por questões ambientais e de sustentabilidade que é cada vez maior e que incentiva a que se diminuam alguns fluxos internacionais de bens, isso criará alguma pressão. Uma segunda razão, e isso é um fator positivo desta crise, foram incentivadas produções a nível local que se espera que permaneçam ativas e que possam contribuir para satisfazer a procura nacional, sem necessidade de importar ao exterior. Não estou a defender medidas protecionistas, apenas a constatar que as pessoas se adaptam a novos padrões de consumo.

Quando fala em "diminuição dos fluxos internacionais de bens", inclui também o turismo?

Acho que os fluxos turísticos irão recuperar, lentamente, mas vão recuperar. Mas não diria que voltaríamos exatamente ao que tínhamos antes, a 100%.

Com os juros baixos, as criptomoedas tornaram-se um investimento apetecível, mas a falta de regulação faz com que seja um investimento de alto risco. Os reguladores deviam acelerar o passo?

As criptomoedas não têm existência física, têm existência apenas na internet. Outro problema, que é também um apelo, é a acentuada volatilidade. Portanto, tem de ser regulado com alguma prudência, acho que é isso que justifica uma visão relativamente cautelosa que os bancos centrais têm adotado relativamente a esta matéria.

É claro que todas as autoridades de supervisão, por definição, são mais conservadoras, mas é razoável a prudência quando estamos a falar deste tipo de situações e daquilo que pode ser um aproveitamento de algum desconhecimento por parte da população em geral. Nem todas as pessoas sabem o que são criptomoedas e quais os riscos associados.

Qual a diferença entre estas moedas e a moeda virtual que o BCE pondera lançar?

A principal é justamente a questão de um enquadramento institucional, que as outras moedas não gozam. Esse aspeto parece-me vital, é o elemento crítico.

Estas criptomoedas são o futuro, ou ainda podemos pensar que dentro de uns anos passam de moda?

Estou muito convicto que não é uma moda passageira, não desaparecerá a breve prazo. Qual é que vai ser a sua importância comparativa com os meios de pagamento mais tradicionais? Acho que ganharão o seu espaço. Estou mais cético quanto à ideia de que ocuparão um espaço significativo, tem o seu limite de crescimento.

Partilha a tese de que nos aproximamos do fim do dinheiro físico?

Caminhamos para lá, parece-me indiscutível. Quanto tempo demoramos até lá é que é a grande dúvida. A pandemia só veio acelerar o processo. A razão que preside normalmente ao interesse nessa sociedade de "cashless" é a simplicidade, não termos as notas e moedas na carteira, não haver a necessidade de trocos, mas colocam-se aqui questões também de higiene, as pessoas ficaram muito sensíveis neste contexto.

Portanto, caminhamos para lá. Se estaremos lá em 2030, acho que não. Se estaremos lá em 2040, é possível!