Se muitas vezes nos sentimos assoberbados com os riscos e efeitos negativos da tecnologia, a verdade é que a inovação também pode ser utilizada para combater alguns dos maiores problemas dos nossos tempos.
Em 2022, o saldo migratório na União Europeia (UE) registou o maior crescimento de sempre: por cada 1000 habitantes, mais 4,1 migrantes entraram no território europeu durante esse ano. E numa altura em que muitos países europeus pedem medidas mais apertadas no controlo da imigração, um painel na Web Summit reuniu-se para mostrar como os movimentos migratórios podem ajudar a resolver a escassez de mão de obra na UE – e tudo a partir de tecnologia.
Marina Brizar é diretora para a Europa e Reino Unido da aplicação “Talent Beyond Boundaries” (TBT, em português, “Talento sem limites”), que liga pessoas deslocadas e qualificadas a empresas que procuram pessoas com as suas competências. Uma forma de integração que Marina considera “essencial” – e dá-nos o exemplo da sua família.
“Eu já estive na situação de refugiada e atravessei um corredor humanitário com os meus pais. Por sorte, os meus pais eram altamente qualificados e, só em seis meses, arranjaram trabalho na Austrália e reconstruímos a nossa vida – caso contrário teríamos ido para um campo de refugiados. Darmos trabalho a estas pessoas é a medida certa para as integrarmos. É uma forma de mobilidade [social]”, explica em frente de uma audiência onde estavam alguns dos refugiados ajudados pela aplicação que gere.
“Muitas destas pessoas não têm os seus documentos, não têm identidade legal. Isso dificulta a admissão nos países e aqui uma identidade digital ajudaria muito. Além disso, a integração inicial é complicada: não têm a informação necessária, não sabem os seus direitos, sentem dificuldade em aprender a língua do país para onde vão. A tecnologia pode ajudar com tudo isto”.
"Antes de serem deslocados, já eram pessoas"
Contudo, e para que a ajuda seja efetiva, é preciso garantir que a tecnologia se adequa às condições dos migrantes. Para além da falta de literacia tecnológica, a diretora da TBT relembra que estas pessoas “vivem em locais com dificuldades de acesso à internet” e que, por isso, é necessário que as aplicações e sites sejam intuitivos e que evitem conter fotografias e funcionalidades que demorem a carregar as páginas.
Mas Marina ainda acrescenta: a chave está em fazer as pessoas recuar ao que eram antes de se tornarem deslocadas.
“Quando perguntamos às pessoas o nome, a qualificação ou as línguas que falam estamos a construir-lhes um perfil. Quando fazemos isso na nossa aplicação, dizem-nos que é a primeira vez que lhes perguntam quem são e não do que precisam. Este é um tipo de empoderamento que me fascina. As pessoas têm identidade antes de serem deslocadas”, conta.
IA é aliada na procura de emprego
Também na integração de pessoas na sociedade, a Inteligência Artificial (IA) tem um papel importante. Monica Goracci aponta a comunicação com familiares e amigos na terra natal das pessoas, “através das suas línguas maternas e de fontes seguras”, como uma das principais mais valias da IA. E deixa uma garantia: a tecnologia não vai levar a menos oferta de emprego, mas sim facilitar a vida dos candidatos.
“Há trabalhos que nunca vão ser postos em causa pela IA, nomeadamente aqueles que requerem menos formação, mas que são essenciais para a sociedade. A IA deve ajudar as pessoas a compreender as ofertas disponíveis e facilitar os formulários eletrónicos de candidatura”, remata.