Não terá sido um debate, mas uma final-four com partidas a duas mãos com Sanchéz a jogar primeiro em casa (TVE) e depois fora (Atresmedia). A imagem futebolística usada pelo analista Rubén Amón nem sequer deixa de fora o Vox, de extrema-direita, sem lugar neste confronto.
O partido do sociólogo Santiago Abascal Conde poderá retirar um número considerável de deputados ao PP e ser um aliado improvável do PSOE na diminuição da potência eleitoral do centro-direita tradicional.
Para já, Albert Rivera (Ciudadanos) bateu Pablo Casado (PP) na particular disputa de quem está a ser mais duro na campanha contra Pedro Sánchez.
De debates em Espanha percebe Manuel Campo-Vidal, o único jornalista que moderou, pelo menos, um debate em todas as eleições com confrontos televisivos a dois entre os candidatos dos partidos mais votados: 1993, 2008, 2011 e 2015. Em 2016, Campo-Vidal conduziu um debate a quatro.
Quem mediou confrontos Aznar-Gonzalez, Zapatero-Rajoy, Rubalcaba-Rajoy ou Sánchez-Rajoy defende que “debates a dois são sempre mais exigentes”, mas admite temer que "no futuro estes debates tenham de ser a cinco”, depois do Vox ir às urnas no próximo domingo.
Em entrevista à Renascença, Manuel Campo-Vidal garante que “Sánchez não está nas mãos dos independentistas”. Já quanto à solução para a governabilidade “todos os cenários estão em aberto”.
Embora na política “as viragens não devam ser bruscas”, no limite, até Rivera poderá contribuir para um entendimento ao centro com Sánchez, admite o jornalista. Mas Campo-Vidal sublinha ser ainda uma solução muito longínqua e a precisar de maturação.
Numa campanha em que a igualdade de género é um tema importante em muitos momentos, os líderes partidários "todos homens falam dos problemas das mulheres". "Et pour cause" o olhar treinado e clínico de Manuel Campo-Vidal não deixou escapar uma "imagem demolidora" no plateau da TVE.
Quem se pode queixar da forma como a campanha eleitoral tem decorrido são ainda os quatro milhões a viver na “Espanha esvaziada”. Manuel Campo-Vidal é o rosto mais conhecido de um amplo movimento social “que quer dar voz à Espanha em perigo de extinção”, o país do abandono do mundo rural.
Ainda assim, em Espanha, nem todos os graves problemas territoriais se resumem à Catalunha, alerta Manuel Campo-Vidal resumindo com particular contundência um dos perigos de 85% da população viver em apenas 15% do território.
Não é anormal dois debates televisivos em menos de 24 horas ou em democracia o saudável é terem mesmo lugar?
Creio ser uma absoluta anomalia que os dois debates televisivos da campanha tenham lugar com 24 horas de diferença. Não conheço outro país onde ocorra situação idêntica.
Foi o resultado de uma muito má negociação por parte de alguns partidos políticos com as televisões. Na quinta-feira da semana passada, o risco era mesmo que não tivesse lugar qualquer debate, o que teria sido um grande retrocesso democrático.
A solução encontrada é bizarra e espero que não seja para repetir. Os candidatos acumulam um risco muito alto.
Foi o moderador dos debates mais vistos em democracia. Debater a quatro é muito diferente de debater a dois? É menos decisivo?
O debate a dois, o cara a cara, é sempre muito mais exigente, porque não há tempo de recuperação. O debate a dois é muitíssimo mais intenso. Nestas eleições, o debate foi a quatro, porque há quatro grandes forças políticas em Espanha e temo que, depois de domingo, 28 de Abril, estes debates serão a cinco, depois de emergir a ultra-direita do Vox.
O primeiro debate teve um vencedor na figura de Albert Rivera (Ciudadanos), que projectou muito mais entusiasmo. Rivera foi o vencedor do debate, mas, sobretudo, venceu a concorrência que havia no âmbito do centro-direita.
Se havia um cenário de dúvida entre uma parte do eleitorado de direita sobre votar Partido Popular (PP) ou votar Ciudadanos, é provável que muitos eleitores se tenham inclinado pelo partido liderado por Albert Rivera porque é uma expressão da direita política, mas muito mais dinâmica e moderna do que a do Partido Popular.
Mas também se pode considerar como vencedor, numa segunda posição, o primeiro-ministro Pedro Sánchez. Sánchez tinha três oponentes à sua frente, municiados por críticas, um cenário delicado e, mesmo assim, saiu-se bem. Portanto, Albert Rivera e Pedro Sánchez ganharam o primeiro debate.
A estratégia de Sánchez de tentar dividir a direita ficou prejudicada pela ausência do Vox no debate?
Pedro Sánchez não divide a direita. A direita divide-se a si mesma. Temos estes três partidos - Partido Popular, Ciudadanos e Vox - a competir pela ocupação desse espaço político. Se, realmente, esses três partidos juntos conseguem somar uma maioria de votos - em Espanha são 176 deputados, a metade mais um de 350 -, então haverá uma nova Espanha, conseguirão mudar a pele política deste país e, em alguns aspectos, entraremos num processo parecido com um retrocesso. Em particular, no que diz respeito às autonomias e aos direitos da mulher.
Manifestamente, o Vox posicionou-se com enorme dose crítica face aos avanços na defesa da igualdade de género e nos progressos das comunidades autónomas. Sem esta maioria, o cenário pode ser outro.
Pedro Sánchez, ao conferir alguma importância ao Vox como estratégia de campanha para dividir a direita, pode correr o mesmo risco de Mitterrand, nos anos 80, com a Frente Nacional - "brincar com o fogo" e contribuir para criar um monstro eleitoral?
O crescimento do Vox não tem nada a ver com Pedro Sánchez ou com qualquer estímulo propriamente espanhol. No mundo há uma tendência generalizada do crescimento do populismo. Já o vimos nos Estados Unidos e atenção: já levou Trump à Casa Branca. Já o vimos no Brasil e levou Bolsonaro à presidência. Já o vimos na ascensão preocupante da extrema-direita em Itália.
E acabamos de o ver, a semana passada, nas eleições da Finlândia, onde o partido social-democrata venceu por 0,2% dos votos, o que representa uma margem mínima de votos sobre a ultra-direita. Repito: na Finlândia, a extrema-direita não ganhou por uma margem mínima.
Portanto, o Vox é o fenómeno espanhol equivalente ao que aconteceu na Finlândia, aconteceu a Trump, a Bolsonaro, a Salvini e Pedro Sánchez nada tem a ver com o fenómeno, nem tem o Partido Popular nem qualquer outro ingrediente espanhol.
Há um contexto de estímulo internacional que favorece este fenómeno. Todos conhecemos que Steve Bannon, o estratega que levou Trump à Casa Branca, já se instalou em Bruxelas e sabemos que as suas técnicas de operação nas redes sociais são eficazes. Bannon congregou já um conjunto de partidos de extrema-direita, entre eles o Vox, num movimento designado por "Il Manifesto", que tenta destruir a Europa tal como a conhecemos.
Mas o independentismo catalão não é esse "estímulo doméstico" em Espanha?
A crise criada pelo independentismo na Catalunha estimulou um nacionalismo espanhol retrógrado e rançoso, representado pelo Vox, mas o partido cresce sobretudo à custa do retrocesso do Partido Popular, castigado pela corrupção.
Se somados os assentos de deputados que o Partido Popular irá perder no domingo aos que o Vox vai conquistar, praticamente, ficarão situados à volta do marco dos 130 lugares que o PP tinha nas últimas eleições a que concorreu sob a liderança de Mariano Rajoy (123 em 2015 e 137 em 2016).
Concordo em que a Catalunha teve influência, mas os critérios dominantes do medo ao imigrante que têm lugar em boa parte dos países da União Europeia são decisivos neste estímulo à extrema-direita. É pensar que em Espanha os imigrantes são 9% da população e, de acordo com o mais recente estudo de opinião, a percepção dos espanhóis é a de que os estrangeiros são 24% da população. Na percepção do eleitorado, a realidade é quase multiplicada por três.
É nesse espaço que o Vox se alimenta para crescer e também no retrocesso do Partido Popular e, igualmente, não há dúvidas do contributo do independentismo catalão para a ruptura da convivência constitucional no mosaico espanhol - já o conseguiu na Catalunha -, contribuindo para polarizar sériamente as posições do conjunto da cidadania.
Num cenário político tão fragmentado, a governabilidade é o factor-chave. A "The Economist" defende o voto no PSOE para evitar a paralisia de Espanha, mas o centro-direita defende que Pedro Sánchez está nas mãos dos independentistas catalães. Como é que este espaço da governabilidade pode evoluir depois de domingo?
Pedro Sánchez não está nas mãos dos independentistas catalães. Pelo contrário: os independentistas catalães afundaram-se ao não aprovar o Orçamento de Estado do governo PSOE e, por isso, foram antecipadas estas eleições. O plano inicial de Pedro Sánchez não era este de ter já eleições, mas sim o de chegar a 2020 na Moncloa.
Porque se - em nove meses - conseguiu ter lançado um pacote de medidas que interessaram ao eleitorado e agora - as sondagens admitem - pode escalar a montanha eleitoral dos actuais 85 deputados até aos 125-130 ou até mais parlamentares, isso traduz um quadro político em que não se está - exactamente - nas mãos dos independentistas.
Sánchez queria continuar na Moncloa até 2020, outra coisa é que esse registo do "está nas mãos de outros" interesse ser referido pela direita para atrair votos contra o PSOE. Mas não creio que Pedro Sánchez esteja nas mãos de terceiros.
Mas também se alude a um possível perdão, a uma amnistia no quadro do processo judicial em curso aos independentistas catalães...
Não há esse tipo de indulto fora do quadro constitucional. Não pode haver nenhum tipo de perdão judicial desse tipo. A figura do indulto está prevista na Constituição, mas, como disse Felipe Gonzalez, o fundador do moderno PSOE e primeiro-ministro durante 13 anos, antes terá de haver uma sentença judicial e só depois se poderá falar de indulto. Portanto, não faz sentido falar agora de indultos.
De resto, no debate televisivo, Iglésias e Rivera deixaram cair um argumento falso quando diziam: "Oriol Junqueras disse que ia trocar assentos parlamentares por indultos" - quer dizer, por apoios ao governo de Pedro Sánchez -, mas o jornal de Barcelona "La Vanguardia" desmente esta "fake-news". Não apenas é falsa como Oriol Junqueras (líder detido da Esquerda Republicana catalã) não quer ser indultado, porque, se o pedir, estará implícitamente a admitir a culpa. Acredito, sinceramente, que a questão do indulto não tem sentido.
O debate televisivo marcou uma inflexão positiva no tom agressivo de uma campanha eleitoral que estava a ser carregada de insultos e tudo foi mais temperado dentro da tensão natural entre diferentes partidos. Oxalá a campanha termine nesse tom e este país tenha um governo mais estável que o actual e, desde logo, não condicionado pelos independentistas e seja capaz de criar consensos e gerar acordos.
Nestes debates, participaram quatro partidos - PSOE, PP, Ciudadanos e Podemos - e, se eu somar as expectativas de voto atribuídas pela média das sondagens, tenho 300 deputados - num parlamento de 350 assentos - e todos eles são deputados que defendem a Constituição, embora, às vezes, se acusem mútuamente de não serem constitucionalistas.
Um dos cenários mais prováveis é o de PSOE e Ciudadanos somados consiguirem a maioria, mas Albert Rivera promete não integrar um governo de Pedro Sánchez. É apenas uma posição de campanha passível de ser alterada? Rivera pode reconsiderar o veto se a alternativa para Pedro Sánchez for o Podemos e partidos nacionalistas?
Rivera quer ser primeiro-ministro, liderar o governo, o que é lógico, e necessita duas coisas: que os três partidos de direita obtenham uma maioria e que seja o primeiro classificado nesse grupo de três. O Ciudadanos tem de ficar á frente do PP e do Vox. Por isso, Rivera ataca Pablo Casado, o líder do PP.
Essa é uma possibilidade que se não se concretizar admite a hipótese teórica de um governo liderado por Pedro Sánchez a que Rivera se poderia juntar. É verdade que esse quadro parece agora ainda muito distante e necessitará de meses de maturação, porque na política as viragens não podem ser tão bruscas, mas creio que Pedro Sánchez tem duas possibilidades: um entendimento com o Podemos e, seguramente, com o PNV, Partido Nacionalista Basco, ou, então, com Ciudadanos, isto no pressuposto de que os três partidos de centro-direita não atingem a maioria.
Todos os cenários estão ainda muito em aberto e trata-se de uma lição que nos pode conduzir a duas Espanhas muito diferentes. Uma Espanha que pode retroceder com um partido de ultra-direita que quer suprimir as autonomias e as conquistas que tiveram lugar na igualdade de género. Em alternativa uma outra Espanha em que se avance em direcção às reformas necessárias. No domingo, já saberemos.
Em Portugal, dois dos cinco principais partidos são liderados por mulheres, mas, em Espanha, os principais candidatos são homens e, em muitos momentos do debate, "homens falam de mulheres"...
Nesse sentido, o primeiro debate televisivo foi demolidor como imagem simbólica. Havia quatro homens candidatos a liderar o governo. Um jornalista moderador também homem e, quando, num momento determinado, a transmissão permitiu ver entrar no espaço os principais assessores de cada um dos candidatos, os directores de campanha eram também homens.
A imagem do "plateau" era de quatro mais quatro homens. Somando o moderador eram nove homens e, ao fundo, a única mulher que se via era uma senhora a limpar o chão. É uma imagem absolutamente demolidora. Essa imagem tem de ser corrigida. Tenta-se, em parte, corrigir porque todos os candidatos têm como número dois uma mulher, mas esse quadro não foi visível na televisão.
Nos últimos meses, temos visto Manuel Campo-Vidal a encabeçar um amplo movimento social que projecta o foco sobre a Espanha rural. Alertas para o perigo de 15% população viver em 85% do território e para o risco de extinção dessa outra Espanha povoada por quatro milhões de pessoas. Esses quatro milhões estão a ter a atenção devida nesta campanha?
Infelizmente, não se prestou atenção suficiente a essa Espanha do mundo rural. E esse é um dos problemas mais importantes e prementes que temos. Depois do despovoamento, surge um enorme risco. O despovoamento é a antessala da desertificação.
Só Pablo Iglésias (Podemos) fez referências a esse mundo rural e, de certo modo, Pedro Sánchez. Quando se assinalava o dia mundial da Terra, Sánchez também aludiu aos problemas gerados pelas alterações climáticas que também se relacionam com o tema do abandono do mundo rural.
Mas, sim, quando se fala de questões territoriais não se admite, não é concebível que no espaço público só se esteja a falar da Catalunha. Há outros graves problemas territoriais em Espanha e, desde logo, tendo como pano de fundo essa manifestação - que teve lugar no passado 3 de março, em Madrid, com 100 mil pessoas - do que se designa por "Espanha vazia" temos de continuar a pressionar e a empurrar para que essa questão ocupe um espaço importante na política espanhola.