CSM tem "as maiores reservas" sobre constitucionalidade de amnistia
03-07-2023 - 18:28
 • Lusa

"Discriminação (positiva) em função da idade, que não se mostra devidamente justificada", considera o Conselho Superior da Magistratura.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) manifesta as "maiores reservas" sobre a constitucionalidade da restrição de idade para a aplicação do perdão de penas e amnistia de crimes e infrações a propósito da vinda do Papa a Portugal, a propósito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

Segundo um parecer enviado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, face à proposta do Governo no contexto da Jornada Mundial da Juventude, o órgão de gestão e disciplina dos juízes assinalou que a aplicação da amnistia a jovens entre 16 e 30 anos que tenham praticado crimes e infrações previstos até 19 de junho "trata-se de uma discriminação (positiva) em função da idade, que não se mostra devidamente justificada".

"A diferenciação de tratamento entre pessoas que praticaram idênticas infrações com base unicamente na idade que possuíam no momento da sua prática, ainda que amparada na faixa etária dos principais destinatários de um evento, suscita as maiores reservas quanto à sua conformidade constitucional", pode ler-se no documento, que destaca que as jornadas "não são um valor constitucional que justifique a discriminação de pessoas".

Em causa na proposta de lei - que vai estar em debate esta terça-feira no parlamento - está um perdão de um ano para todas as penas até oito anos de prisão. Está ainda previsto um regime de amnistia para as contraordenações com coima máxima aplicável até 1.000 euros e as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou 120 dias de pena de multa.

Apesar de reconhecer a liberdade das opções políticas para a elaboração do diploma, o CSM lembrou que essa discricionariedade "não é ilimitada" e que tem de respeitar os princípios constitucionalmente previstos.

"Poderemos estar perante uma situação de discriminação em função da idade, sem qualquer justificação objetiva, que dificilmente passará no crivo do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição", refere o organismo.

Além do critério etário na amnistia, cuja legitimidade já suscitou dúvidas a constitucionalistas, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, o CSM considerou também que outros aspetos da proposta de lei deviam ser "objeto de aperfeiçoamento".

Entre as normas visadas está, por exemplo, a ausência do crime de tráfico de droga agravado na descrição dos crimes que estão excluídos do âmbito de aplicação da amnistia.

O CSM avisou também para o risco de "sérios problemas e embaraços, causadores de graves constrangimentos no funcionamento dos tribunais", devido à necessidade de reformulação de cúmulo jurídico de penas quando há crimes sujeitos a amnistia e outros que estão excluídos da abrangência deste diploma.

"A solução adotada na lei suscitará imensos problemas na prática judiciária", alerta o CSM, considerando que "irá obrigar à realização de centenas ou de milhares de audiências de cúmulo com vista à reformulação dos cúmulos jurídicos, em pleno período de férias judiciais".

A proposta de lei compreende exceções ao perdão e amnistia, não beneficiando, nomeadamente, quem tiver praticado crimes de homicídio, infanticídio, violência doméstica, maus-tratos, ofensa à integridade de física grave, mutilação genital feminina, ofensa à integridade física qualificada, casamento forçado, sequestro, contra a liberdade e autodeterminação sexual, extorsão, discriminação e incitamento ao ódio e à violência, tráfico de influência, branqueamento ou corrupção.