Paulo Raimundo esteve esta quarta-feira nos estúdios da Renascença, onde responde às questões da jornalista Susana Madureira Martins e, depois, será alvo do "Desculpa, mas vais ter de Perguntar", com Joana Marques, Inês Lopes Gonçalves e Ana Galvão.
A entrevista foi transmitida em antena e pode ser recordada no Youtube da Renascença.
O Governo de António Costa terminou com a medida do IVA zero em determinados produtos alimentares. Face a produtos que estão a atingir preços altos com o azeite, por exemplo, a medida devia regressar nos mesmos moldes e durante quanto tempo?
A medida tinha significado, tinha importância, mas não teria significado necessário se não fosse acompanhado por outras medidas, desde logo a fixação de preços, nomeadamente, dos produtos alimentares.
O Governo conseguiu identificar um cabaz alimentar sobre o qual aplicou o IVA Zero e, portanto, essa identificação estava feita, e era necessário que o IVA Zero fosse acompanhado da fixação do preço.
É uma medida que neste momento consideraria necessário? Ou a inflação já passou?
Não, a inflação não só não passou, como o grosso da inflação é exatamente nos preços dos bens alimentares.
Ora, nós não descartamos essa possibilidade de voltar ao IVA Zero. Não descartamos isso. Agora, o que determina é a fixação de preços. E, no âmbito do IVA zero, houve um esforço do próprio Estado. Deixou de arrecadar 500 milhões de euros em impostos. Teve consequências na vida das pessoas. Cada um de nós sabe supermercado e percebeu que não tinha grande significado, mas não houve nenhum esforço, não houve nenhum contributo para essa medida da Grande Distribuição. Continua a amealhar lucros como nunca. Essa medida, sem a fixação dos preços, em particular dos bens alimentares, fica muito aquém das necessidades que temos.
O IVA é um dos impostos indiretos em que Pedro Nuno Santos admite mexer se vier a formar Governo. O líder do PS é algo avesso a fazer uma reforma fiscal e o IVA e os impostos indiretos são os únicos em que admite mexer. Como é que vê esta opção de não se querer fazer uma reforma fiscal?
Achamos que não há um problema de impostos em Portugal. O que há é um problema de injustiça fiscal. Esta que é a grande questão.
É preciso baixar os impostos, mas o IRC, por exemplo, que é um dos impostos muito badalados, porque, no fundo, no fundo, quando toda a gente fala dos impostos, o quer é baixar o IRC. A taxa efetiva de cobrança de IRC e não tem nada a ver com a taxa nominal. Ou seja, aquilo que os grandes grupos económicos pagam de IRC não tem nada a ver com o que está fixado para poderem pagar. É muito, muito abaixo disso.
Era aí que se devia apostar?
Claro, é uma evidência. E devia apostar-se em mais duas vertentes. Uma era baixar o IRS para quem trabalha uma vida inteira. Há muito espaço para isso.
E o PCP tem algum modelo?
Tem e, claro, nós estamos neste período em que tudo é permitido, mas nós apresentamos propostas na Assembleia da República, nomeadamente com a redução do IVA para a energia, para o gás e para as telecomunicações. E o PS recusou a nossa proposta.
Não quer dizer que eles agora não possam vir agora a ela, se vier ainda bem. Mas o objetivo foi exatamente esse, recusaram a nossa proposta.
E são estas três vertentes: Redução do IRS para quem trabalha, um caminho de justiça fiscal que vá buscar o dinheiro onde ele exista.
Isso significa sempre menos receita fiscal.
Não necessariamente. Vou dar um exemplo concreto. O Orçamento de Estado prevê uma coisa extraordinária. O Governo decidiu dar benefícios fiscais de 1.600 milhões de euros. O Governo decidiu abdicar de receber 1.600 milhões de euros para entregar benefícios fiscais aos grupos económicos. Ora, não se pode abdicar dessa receita para dar benefícios fiscais a quem comprovadamente não precisa deles, porque os lucros estão aí todos os dias.
Está aí uma saída para o problema. Não só não implica menos receita, como implica mais receita.
Este fim de semana, o Bloco de Esquerda apresentou um programa eleitoral com fixação das 35 horas semanais no setor privado e a consagração na lei da semana de quatro dias. São também bandeiras do PCP. Também vão incluir estas medidas no programa eleitoral? Acha que com a esquerda liderada por Pedro Nuno Santos, o líder do PS, será mais fácil aprovar estas propostas?
Vou dar um furo do nosso programa eleitoral: Vai centrar-se nos direitos dos trabalhadores. Sei que é uma novidade (risos).
Isto implica várias questões, mas há uma que é central: o aumento geral dos salários. Sem atacar esta questão de fundo não há alternativa. Nós temos três milhões de trabalhadores que em Portugal ganham hoje até mil euros de salário bruto por mês, mais de 800 mil ganham o salário mínimo nacional.
Isto não pode continuar assim. É preciso um aumento significativo agora. Não é 2028 ou 2030.
Quer chegar já aos mil euros?
Nós fizemos uma proposta concreta. Vamos bater-nos por ela. Mil euros em maio, até associando aos 50 anos da concretização do salário mínimo nacional.
No final da legislatura, o PCP propõe que se chegue a que salário mínimo nacional?
Não temos essa conta feita. Vamos procurar elaborá-la, mas esta não é a questão fundamental que se coloca agora. É dizer que daqui a quatro ou cinco anos nós vamos ter uma vida aconchegada, ou responder agora às questões e nós preferimos responder agora às questões.
Isso não é entrar num leilão? Em cima da campanha todos os partidos propõem medidas em cima de medidas que depois não é exequível cumprir?
Como sabe, nós temos vários defeitos e virtudes. Mas há uma virtude que temos que é sermos rigorosos nas propostas que lançamos e sustentá-las do ponto de vista económico.
E, talvez, não haja grande criatividade na nossa proposta, porque nós propusemos o ano passado exatamente o salário mínimo nacional, a 1 de janeiro, a 910 euros e num processo que durante o ano 2024 fosse fixado nos mil euros. Não há novidade nesta proposta.
Como é que há dinheiro para fazer um aumento salarial de 15%, no mínimo de 150 euros? Há um excedente orçamental, mas não dá para tudo.
Não dá para tudo, claro, mas temos de fazer opções, é uma evidência. Temos de tomar opções. Nós temos uma situação em que os grupos económicos encaixam por dia 25 milhões de euros em lucros. A banca tem 12 milhões de euros em lucros por dia. Ora, o problema não é não haver dinheiro, o problema é a redistribuição do dinheiro, da riqueza que é criada, para quem é criada e quem a cria.
E, portanto, esse dinheiro da riqueza que é criada, se não vai para as mãos de quem cria, alguma coisa que não está bem.
E porquê 15%? Quais são as contas que o PCP faz?
É uma questão sustentada, porque nós fizemos o cálculo da perda acumulada da inflação nos três anos e chegamos à conclusão que ela estará na ordem dos 15%. A proposta sustenta-se nessa realidade concreta da perda de poder de compra acumulado durante estes três anos.
Em contactos com muita gente a constatação era sempre a mesma: as pessoas não têm dinheiro no bolso, não podem comprar nas nossas lojas.
Isto é um ciclo vicioso. Ora, esta é uma questão fundamental, portanto o aumento dos salários representa naturalmente um esforço para quem tem que os pagar. Mas é, acima de tudo, um investimento. porque tem retorno. Isso tem retorno do ponto de vista do dia a dia, da vida de cada um.
Ninguém que vá ter um aumento salarial hoje, vai olhar para ele para fazer uma poupança. Não é possível, a vida não permite isso. No mínimo, permite poder gastar mais qualquer coisa de consumo. E essa é uma questão fundamental.
Nós temos 90% das micro, pequenas e médias empresas sustentadas no mercado nacional. Ora, se não houver mercado nacional para comprar, qual é o destino?
Em dezembro, dizia aos jornalistas que fechava acordo com o PS, se o PS aprovasse propostas relacionadas com a contratação coletiva, com a regulamentação do trabalho por turnos, a valorização de quem trabalha por turnos, o fim dos cortes às horas extraordinárias. São bandeiras clássicas do PCP. Voltaria agora a dizer o mesmo se o PS avançasse com estas propostas? E são estas as bases para um entendimento?
Essa afirmação que fiz, convicta, três horas depois, foi por água abaixo, não por vontade nossa. Foi porque, três depois, o Partido Socialista, por sua opção, decidiu votar contra todas e cada uma das nossas propostas que estavam nesse dia em discussão na Assembleia da República.
E, portanto, essa pergunta diria que se calhar tem que ser devolvida para quem as rejeitou.
Mas se estas propostas voltarem a ser negociadas entre o PCP e o PS e o PS abrir a porta que António Costa não abriu, o PCP pode entender-se, de facto, com este novo Partido Socialista?
Nós não queremos alimentar ilusões, nós não alimentamos a ideia que estamos perante um novo Partido Socialista. Não há grande novidade.
Não viu renovação nenhuma?
As questões internas do Partido Socialista, o PS saberá e não farei nenhum comentário sobre isso. A de fundo que se coloca sempre nestas alturas é: nós nunca faltamos em nenhum momento para apoiar tudo o que fosse positivo, para propor, para tomar a iniciativa e para convergir em tudo o que fosse positivo.
A História demonstrou isso e também nunca faltamos para fazer frente a tudo o que seja negativo e, portanto, tudo o que nós propusemos é positivo e tudo que venha doutros lados, se for positivo, contará com o nosso apoio, com o nosso, com o nosso apoio. Agora isso dependerá da força que nós tivermos também.
A influência.
Influência e força para poder impor soluções. Em todo aquele processo de 2015, o PS formou Governo minoritário, mas a força que nós tivemos e a força social que também conseguimos extrair obrigou o Governo a tomar decisões sobre as quais estava longe.
Aquilo que se conseguiu não foi por vontade do programa do Partido Socialista. Foi a força que tivemos eleitoral e social.
Em relação às pensões, o PCP vai ter alguma proposta?
Olhe, mais uma que não tem grande criatividade. Nós precisamos de garantir que nenhum reformado tenha um aumento de reformas inferior a 70 euros e que todos os reformados em pensões tenham aumento de 70% neste cálculo daquilo que foi perdido durante estes três anos.
Esta nossa proposta custaria um acréscimo de 1.600 milhões de euros àquilo que o Governo decidiu aumentar as reformas e pensões. É muito dinheiro. Mas é exatamente o mesmo valor dos 1.600 milhões de euros que o Governo decidiu entregar de benefícios fiscais aos tais grupos económicos.
Não é um problema de falta de recursos, não por falta de meios, é de opções.
Esta campanha devia voltar a debater a regionalização? É algo que o PCP defende e que a cada legislatura reegresso ao referendo. O PCP vai voltar a esse debate?
É necessário, é um debate necessário e urgente.
Mas a verdade é que o Presidente da República é o mesmo.
Sim, claro, mas isso, com todo o respeito que temos, há muitas divergências. É uma matéria que achamos que achamos de grande importância.
Do ponto de vista constitucional só pode ser resolvida por via do referendo.
Mas é uma proposta que tem que ter uma maioria reforçada no Parlamento.
Mais uma razão para votar em nós com força, para nos dar essa maioria reforçada.
O PSD não tem querido avançar para essa regionalização, também.
O PSD não tem querido muita coisa, o PSD queria era voltar a 2014. Acho que não vai ter essa sorte.
Vão propor o referendo já nesta sessão?
A única solução que temos para voltar a insistir nas questões da regionalização é ter que ir para a opção do referendo.
Na entrevista à Renascença, há um ano, dizia que é uma evidência que há uma gestão política dos casos judiciais. O caso Influencer é um exemplo disso e o tempo deu-lhe razão?
O que afirmei, continuo a afirmar. Há duas coisas distintas: uma é o tempo da justiça. São tempos que têm um calendário, um horário muito próprio, que não é o nosso, do dia a dia, em que temos de respeitar esse andamento. Nós não ganhamos nada em tentar pressionar e precipitar decisões judiciais ou criminais.
Depois, acho que há quem, de forma oportunista, encontra nesses casos de justiça, soluções para expor as suas contradições e as contradições dos que estão em presença.
Está falar exatamente do quê? Do Chega?
Não. Vou dar um exemplo concreto. Temos casos que vão aparecendo e vão surgindo na praça pública, alguns até com claras fugas de informação. E depois temos a tal gestão política que é o conjunto de casos que vão surgindo de forma requentada, coisas que foram notícia há dois, três, quatro, oito anos e que voltam a aparecer como se fossem novidade do ponto de vista do caso em concreto.
Ora, isso é para criar uma situação de caos.
Criado por quem, exatamente?
Eu diria que uma parte significativa por aqueles que, mais que a aplicação da Justiça, querem criar uma cúpula de justiceiros. Ora, isso é para lá dos problemas.
A Procuradora-Geral da República está incluída nessa campanha?
Acho que a Procuradora-Geral da República tem cumprido naquilo que é o seu quadro constitucional. Acho que é justo admitir que não será fácil toda a gestão do dia a dia. É uma pressão muito grande.
Setúbal é um distrito caro ao Partido Comunista Português. É um distrito que agora, numa revisão eleitoral, ganhou um mandato de deputado que Viana do Castelo perdeu.
É pena.
É uma oportunidade para o PCP eleger não só Paulo Santos, mas também Bruno Dias? E mais alguém? Apostam em quantos deputados neste distrito?
Estamos muito confiantes para as eleições. Tenho andado muito por aí, muitos contactos, e tenho a certeza plena que vamos crescer. Em número de votos, percentagem e deputados
O que lhe dá essa certeza?
Os contactos. Para já, a coerência, depois os contactos.
Considera que o PCP possa vir a ter mais do que os atuais seis deputados?
Sim. Não tenho dúvida sobre isso. Acho que isso vai acontecer, até, de certa forma, desmentindo algumas das sondagens que vão aparecendo.
O ato eleitoral mais recente que tivemos foi na Madeira, como sabemos, e também as sondagens mandavam a CDU desaparecer do parlamento regional e foi tudo ao contrário. Nós mantivemos o deputado, duplicámos a votação, duplicámos a percentagem e ficámos muito mais perto do segundo deputado.
Vamos crescer, vamos eleger mais deputados. Eu já tinha afirmado noutras circunstâncias, que temos uma referência que é a recuperação dos deputados que perdemos em 2022. Essa é o objetivo. Isso implica 12 deputados.
Implica crescer em Setúbal, em Lisboa, crescer no Porto, recuperar em Évora, recuperar em Santarém.
Este é o núcleo fundamental da questão e depois temos expetativas que se abrem. Ontem estive no Algarve e vim de lá com a ideia que é possível como horizonte voltar a eleger no Algarve, coisa que não acontece desde 2015.
Estou muito confiante nesse resultado. Nós não queremos chegar ao dia 10 de março e temos mais votos, mais deputados e agitar as bandeiras. Ficamos todos contentes. Isso serve-nos, claro. Ficamos contentes com isso, mas isso não é a questão fundamental. Estou convicto que mais votos, mais deputados da CDU, implica abrir caminho a uma vida melhor que as pessoas têm direito.
E as pessoas sabem, por experiência própria, quando o PCP e a CDU avança, também do ponto vista eleitoral, a vida de cada um muda para a frente.
Não acha que possa haver perdas eleitorais na sequência de posições, por exemplo, sobre a Ucrânia?
A cada dia que passa, acho que está evidente, cada vez mais, que o PCP tinha razão, porque com o passar desta turbulência todo, qual é a situação que temos? Temos uma guerra que está a matar milhares de pessoas todos os dias.
Um campo de batalha que nós não conseguimos imaginar. E a solução daqueles que apostam na guerra está à vista.
O que dizem a esses amigos do PCP, que não são propriamente os militantes, e que se afastaram do partido e por causa disso, por causa dessa posição da Ucrânia?
Qual é a questão? Nós tivemos uma posição e depois foi construída uma posição do PCP que não tinha a ver com a sua posição. Isso foi o grande problema.
Mas houve má comunicação do PCP?
Admitio que sim, mas a questão fundamental é que se nós mandássemos alguma coisa, nunca tinha havido esta guerra, nunca tinha iniciado e nunca devia ter iniciado.
Quem acha que a guerra é necessária podem dormir descansados com as suas opções. Esta que é a grande questão.
Nós tivemos uma experiência agora, muito recentemente, num conjunto de gente muito diversa, que não membros do PCP, não membros dos Verdes, que decidiram lançar um abaixo-assinado em apoio à CDU.