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Foi com emoção que Marlene Maia, da empresa portuguesa Dalmática, especializada em conservação e restauro, assistiu às imagens do fogo que esta segunda-feira consumiu a Catedral de Notre Dame, em Paris.
“Naturalmente que, como a qualquer cidadão comum, são sempre imagens chocantes", diz à Renascença. "No caso particular de quem lida diariamente com património, estamos todos a viver isto, nem sei, com muita tristeza. Quem lida com património – conservadores, restauradores – respeita muitíssimo o legado dos nossos antepassados, património com centenas de anos. Nós não conseguimos, neste momento, esconder nem conter a nossa emoção. Realmente o que se está a passar em Paris é avassalador. Parte o coração de qualquer um.”
A Dalmática esteve recentemente à frente do restauro do retábulo-mor da Catedral Metropolitana do Panamá.
Num trabalho desta dimensão, mais a mais em edifícios que são património classificado, Marlene garante que as regras de segurança são muitas e apertadas, razão pela qual explica que o incêndio desta tarde em Notre Dame “não é comum”.
“Não é e ainda bem. Para as empresas que participam em atos de conservação e restauro – sobretudo em património classificado pela Unesco – há toda uma série de regras que devem ser seguidas à risca e que são parte de um plano muito rígido de higiene e segurança no trabalho, que tem de ser respeitado, para salvaguardar o edifício e toda a arte nele integrada", explica.
"Causa-nos, de facto, alguma surpresa que isto tenha acontecido. Seguramente foi um acidente, um acidente que não conseguiu ser imediatamente controlado”, lamenta Marlene Maia.
A pergunta que agora se impõe é: mesmo tendo sido respeitado o plano de segurança, o que é que pode ter estado na origem do incêndio? À partida, um curto circuito, dizem fontes no local, uma opinião partilhada pela especialista. A procuradoria de Paris já abriu um inquérito oficial ao incidente para perceber.
“Várias coisas podem acontecer. Mas é provável que as pessoas em causa pudessem estar a trabalhar com materiais inflamáveis, com químicos. Seguramente deverão ter sido feitas instalações elétricas, eventualmente poderiam estar a funcionar ares condicionados ou máquinas elevatórias, há todo um sem-número de coisas que realmente em obra podem correr mal. Mas há também todo um sem-número de regras que é suposto seguir para evitar ao máximo que males aconteçam. Infelizmente hoje não foi possível.”
Quando, por fim, se dominar e circunscrever o incêndio na catedral, será tempo de avaliar os estragos e partir para a recuperação. Mas haverá o que recuperar?
“Ainda estamos numa fase muito precoce de avaliação", conclui Marlene Maia. "Parece-me que, ao nível do edificado, existem perdas irrecuperáveis. A queda impressionante do pináculo da torre maior e mais esguia da catedral é um facto. Eventualmente poderá ser feita uma reconstrução seguindo os moldes antigos. Não sabemos exatamente se dentro da catedral o património integrado terá sido afetado ou não."
A isso poderão juntar-se danos "colaterais" causados pela força das águas no combate às chamas, adianta a especialista. "A própria força da água das mangueiras acaba também por provocar danos em pinturas, esculturas, retábulos, tectos entalhados, vitrais, todo esse património riquíssimo pode também ter sofrido danos.”