Somos os europeus que mais pagam pelos medicamentos
28-06-2017 - 07:06

Segundo o Observatório Português dos Sistemas de Saúde, Portugal ainda tem muitas “barreiras no acesso aos cuidados de saúde” e a população desfavorecida é a que mais sofre.

Portugal é o país da Europa em que a população paga uma fatia maior pelos medicamentos. As famílias suportam directamente cerca de 40% do preço.

Os dados são do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, segundo o qual a medicação é a principal fonte de despesas em saúde nas famílias, pelo que, na ausência de isenções, os mais carenciados encontram dificuldades em comprar medicamentos.

“Não há isenções [nos medicamentos] que permitam que o acesso melhore nas camadas de população que têm menos recursos”, afirma o porta-voz da coordenação do Relatório de Primavera 2017 do Observatório, Aranda da Silva.

“Qualquer dia temos um sistema de saúde a duas velocidades, uma para pobres e outra para os outros. Estamos quase a chegar lá”, acrescenta Aranda da Silva, destacando que “isto é anticonstitucional”.

“A nossa Constituição é muito clara ao dizer que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de ser equitativo no acesso”, sublinha.

Para o Observatório, a situação de subfinanciamento do SNS “traduz-se numa pioria do acesso” por parte dos doentes, principalmente para as populações de fracos recursos.

O relatório conhecido esta quarta-feira sugere ainda medidas concretas para restringir o consumo de antibióticos em Portugal apontando que nalguns casos, o médico só os possa prescrever após identificar a causa da infecção.

Aumentou o consumo de antibióticos de largo espectro

De acordo com um estudo que integra o relatório e que caracterizar o consumo de antibióticos entre 2004 e 2014 em Portugal, o consumo absoluto de antibióticos, ajustado à população residente, diminuiu, mas identificou-se uma tendência de crescimento de consumo de antibióticos de largo espectro, que atua numa grande variedade de bactérias.

O documento sugere que o problema das resistências aos antibióticos pode ser influenciadas não apenas pelo consumo absoluto de antibióticos, mas também pelo consumo elevado desses antibióticos de largo espectro.

Nesse sentido, o Observatório sugere medidas para melhorar a informação sobre prescrição e uso de antibióticos, bem como medidas administrativas para restringir os de largo espectro.

Uma das propostas, segundo Aranda da Silva, é a de "exigir que sejam prescritos esses antibióticos só depois de identificada a causa da infecção".

Mais pobres com menor acesso a saúde oral, mental e medicamentos

Os mais pobres em Portugal continuam a ter dificuldades de acesso a consultas de especialidade, sobretudo de saúde oral e mental, e a medicamentos.

Tendo por base dados de 2014 e 2015, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde indica que as "barreiras no acesso aos cuidados de saúde permanecem relevantes em Portugal", sendo muito marcadas por factores socioeconómicos.

Na área da saúde oral e da saúde mental, o relatório aponta para "limitações fortes no acesso" que afectam "de forma desproporcional os mais pobres".

"Essa é uma situação crónica do nosso sistema de saúde. As pessoas com menos recursos cada vez têm mais dificuldades de acesso", refere Aranda da Silva à agência Lusa.

A carência de serviços de saúde oral e mental no Serviço Nacional de Saúde (SNS) é o principal motivo para esta falta de equidade no acesso àquelas especialidades, sendo que as necessidades são maioritariamente satisfeitas através do sector provado.

"Apenas acessível para quem tem seguro ou capacidade de pagar", sublinham os autores do Relatório de Primavera 2017.

O Observatório lembra que houve tentativas para atenuar as desigualdades no caso da saúde oral, através dos cheques dentista, mas considera que a iniciativa "possivelmente não conseguiu reduzir a iniquidade".

No ano passado, o Governo arrancou com um projecto-piloto nalguns centros de saúde da Grande Lisboa e Alentejo, de forma a integrar médicos dentistas e a alargar o acesso nos cuidados de saúde oral a alguns doentes e para algumas patologias.

Estes projectos-piloto encontram-se actualmente em fase de alargamento, abarcando todo o país num total de cerca de 60 unidades dos cuidados de saúde primários.

Ainda assim, a grande maioria dos centros de saúde em Portugal mantém-se sem cuidados de saúde oral.

Aliás, o Observatório indica que se têm registado "medidas pontuais" para atenuar barreiras económicas e sociais, que são simbólicas mas reveladoras de uma "nova visão e atitude política".

Na área da saúde mental, "não há medidas praticamente nenhumas", acrescenta Aranda da Silva.

O Observatório fez uma comparação com os restantes países da Europa ao nível das dificuldades de acesso à saúde e concluiu que Portugal não tem maiores barreiras, mas são mais marcadas do ponto de vista económico e de restrições financeiras.

O Relatório Primavera 2017 é apresentado esta quarta-feira em Lisboa.