Veja também:
- Os últimos números da pandemia em Portugal e no mundo
- Todas as notícias sobre a pandemia de Covid-19
- Guias e explicadores: as suas dúvidas esclarecidas
- Boletins Covid-19: gráficos, balanços e outros números
Na última década, as plataformas de trabalho digital multiplicaram-se por cinco. Revelaram-se uma oportunidade de trabalho para mulheres, pessoas com deficiência, jovens, migrantes e outras pessoas excluídas dos mercados de trabalho tradicionais. Por outro lado, as empresas podem ter acesso a uma mão-de-obra mais flexível e com competências variadas, aumentando a base de clientes.
Mas, segundo a Organização Internacional de Trabalho (OIT) é preciso fazer uma regulação internacional, já que, na maior parte dos casos, os trabalhadores destas plataformas não têm condições de trabalho minimamente dignas, regularidade de trabalho e de rendimentos, acesso à saúde e proteção social, à liberdade sindical. Além disso, em regra têm horários extremamente longos e imprevisíveis.
A Covid-19 intensificou o trabalho digital e também expôs muitas debilidades na chamada “uberização do trabalho”.
No relatório da OIT sobre “O papel das plataformas digitais na transformação do mundo do trabalho” hoje divulgado, a Organização apela ao diálogo e coordenação a nível global para definir a regulação e a aplicação de normas internacionais do trabalho.
Plataformas digitais: um negócio em crescimento
O Relatório da OIT baseia-se em inquéritos realizados em cem países, a cerca de 85 mil trabalhadores de setenta empresas de diferentes categorias, dezasseis plataformas e catorze associações de trabalhadores, em diversos setores.
Há dois tipos de plataformas: “em linha”, que fornecem serviços à distância (tradução, serviços jurídicos, financeiros, de serviços ou logística); ou de “geolocalisação”, trabalho localizado. Nesta categoria estão os serviços de transporte, entregas, serviços ao domicílio, trabalho doméstico e prestação de cuidados.
Entre 2010 e 2020, o número de plataformas passou de 142 para 777. Uma grande parte localiza-se apenas num país: 29% nos Estados Unidos, 8% na India e 5%, no Reino Unido.
Por regra, as plataformas têm muito poucos trabalhadores assalariados (geralmente, só os que asseguram o funcionamento da plataforma) e assumem-se como intermediários entre outras empresas e os seus clientes, recorrendo para isso a prestadores de serviços. Segundo a OIT, é muito difícil saber quantas pessoas trabalham para as plataformas porque elas não divulgam os seus dados.
96% dos investimentos em plataformas “em linha” concentram-se na Ásia, América do Norte e na Europa.
Em 2019, o volume de negócios ascendeu a pelo menos 52 mil milhões de dólares. Mais de 70% das receitas concentraram-se apenas em dois países (estados Unidos (49%) e China (22%).
Quem trabalha para as plataformas?
O inquérito da OIT revela que a maior parte dos trabalhadores das plataformas tem menos de 35 anos e um grau académico elevado, sobretudo nos países em desenvolvimento. Apesar de ser uma oportunidade de trabalho para as mulheres, elas são apenas 40% do total nas plataformas em linha e 20% nas plataformas de entregas e transportes. Muito poucas mulheres trabalham nas áreas tecnológicas e de análise de dados.
A dificuldade em arranjar emprego no mercado de trabalho tradicional, ou melhorar os rendimentos com um trabalho a tempo parcial são as principais motivações para as pessoas que trabalham para as plataformas, sobretudo de transportes e entregas.
No entanto, segundo o Relatório da OIT, para um terço dos inquiridos que trabalha para as plataformas em linha, esta é a sua principal fonte de rendimento, especialmente em países em desenvolvimento. E existem grandes diferenças entre os rendimentos que os trabalhadores podem auferir em países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
O trabalho em plataformas digitais é subcontratado por empresas no hemisfério norte e realizado por trabalhadores no hemisfério sul, que ganham menos que os que estão nos países desenvolvidos.
Também a duração do tempo de trabalho é diferente, consoante o tipo de plataforma: nas de “geolocalização” pode atingir as 65h/semana, em média; nas de entregas, 59h/semana. Ainda assim, muitos dos trabalhadores revelaram que gostavam de trabalhar mais horas, para poderem ganhar mais.
Trabalho nas plataformas exige proteção
As plataformas assumem que estas pessoas são prestadores de serviços e por isso, segundo a Organização Internacional do Trabalho, há grandes lacunas no que diz respeito à segurança e saúde, acidentes de trabalho, subsídios de desemprego e de invalidez ou pensões de velhice. E a pandemia só acentuou os problemas destes trabalhadores sem proteção social e de saúde, especialmente, para os das plataformas de geolocalização.
Por isso, a Organização Internacional do Trabalho considera que é preciso agir.
Alguns países já avançaram com medidas que exigem às plataformas a responsabilidade por diversos tipos de proteção; noutros, foram obrigadas a assumir estas pessoas como seus trabalhadores, com contratos.
Mas como as plataformas operam em múltiplas jurisdições, a OIT considera que é preciso apostar no diálogo e coordenação de políticas a nível internacional para garantir a aplicação das normas internacionais do trabalho. E apela ao diálogo social e à cooperação a nível regulatório entre plataformas de trabalho digitais, trabalhadores e governos.
O objetivo é que os trabalhadores das plataformas tenham uma situação profissional definida e tenham acesso a direitos e benefícios sociais, decorrentes do trabalho realizado.
Para o diretor geral da OIT, Guy Ryder, “todos os trabalhadores e trabalhadoras, independentemente do seu estatuto profissional, precisam de poder exercer os seus direitos fundamentais no trabalho”.