Embaixador da UE no Reino Unido admite quinto pacote de sanções à Rússia
21-03-2022 - 13:51
 • Marina Pimentel

Quando passa um mês sobre o início da invasão da Ucrânia pelas tropas russas, a Renascença entrevista João Vale de Almeida, embaixador da União Europeia no Reino Unido desde fevereiro de 2020. O diplomata garante que a UE está completamente empenhada em parar uma guerra, que está a ser conduzida indiscriminadamente contra civis e de que Putin é o único responsável.

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A unidade que o Ocidente tem revelado, pode ir deslaçando com o tempo, defende o embaixador da União Europeia no Reino Unido, desde fevereiro de 2020. Em entrevista à Renascença, o embaixador da União Europeia no Reino Unido, João Vale de Almeida, explica que não vai ser possível queimar etapas na adesão da Ucrânia à União Europeia e conclui que para o bem e para o mal, os 27 Estados-membros estão condenados a ser vizinhos da Rússia.

Mesmo para um diplomata experiente, a evolução da guerra e a estratégia do Presidente russo, Vladimir Putin, levantam muitas interrogações. João Vale de Almeida “quer acreditar que há sinais de aproximação entre a Rússia e a Ucrânia que podem abrir caminho a um cessar-fogo, mas admite que pode ser o que os ingleses chamam 'o wishful thinking'”.

Reconhece ter dificuldade em avaliar Putin, a quem acusa de ter iniciado "uma destruição radical dos consensos que existiam no pós Guerra Fria", no palco europeu.

“Ele pôs termo a uma série de consensos que pensávamos nós estavam bem consolidados do respeito pela soberania, do respeito pelas fronteiras, da prioridade ao diálogo e à concertação”. O diplomata europeu reconhece que “tinha já havido sinais com a anexação ilegal da Crimeia, de alguns territórios da Geórgia e de outros comportamentos”. No entanto, nada como agora.

”Esta invasão da Ucrânia termina um ciclo e inicia uma nova era. É uma situação muito complexa. Eu espero que seja possível encontrar soluções. Nós estamos enquanto UE totalmente empenhados antes do mais em parar esta guerra, conduzida de forma indiscriminada em termos de proteção de civis. O nosso apelo ao Presidente Putin é que ele assuma as suas responsabilidades e chegue a um entendimento que permita parar a guerra”, defende.

Personalidade de Putin "muito marcada pelo fim da União Soviética"

João Vale de Almeida é funcionário europeu desde 1982. Foi diretor-geral das Relações Externas da Comissão Europeia. E antes de ser colocado no Reino Unido, foi embaixador da UE junto das Nações Unidas e nos Estados Unidos. Encontrou-se várias vezes com o Presidente russo e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov.

“Não tenho a certeza que o Presidente Putin ou o primeiro-ministro Putin da altura que eu o conheci seja o mesmo que hoje vejo nas televisões. O que conheço agora é à distância, mas parece-me ter havido alguma evolução no sentido negativo. Há elementos que são constantes, há uma personalidade muito forte, muito marcada pelo fim da União Soviética. Ele fez parte do regime anterior, viveu a transição. Mas sempre disse e nunca o escondeu que a desintegração da URSS tinha sido a maior desgraça que aconteceu à Rússia e, portanto, essa dimensão continuou sempre presente. Estava presente quando eu e o presidente [da Comissão Europeia] José Manuel Durão Barroso o encontrámos inúmeras vezes, está presente ainda agora, mas com uma dimensão acrescida que não existia na altura”.

Ao longo da entrevista à Renascença, João Vale de Almeida repete várias vezes que “nesta guerra só há um culpado, o Presidente Putin, que tomou a opção de invadir um país soberano sem qualquer justificação”.

Questionado se a Rússia não é demasiado grande e importante do ponto de vista estratégico para sair da Ucrânia com um resultado humilhante, o diplomata europeu, antigo jornalista, admite que compreende a análise, mas insiste que "terá de ser Putin a encontrar a solução para o problema que criou. "Não fomos nós que criámos o problema ao Sr. Putin. Portanto terá de ser ele a encontrar a sua via de saída do problema que criou."

João Vale de Almeida garante que a mobilização diplomática da União Europeia para por termos à guerra é total. ”Hoje, em Bruxelas, estão reunidos os ministros dos Negócios Estrangeiros, durante esta semana haverá uma cimeira da NATO, haverá um Conselho Europeu, o Presidente Biden virá ao Conselho Europeu também. Praticamente todos os líderes desta coligação estão em Bruxelas, fala-se também de uma cimeira da G7 por este dias. Há uma mobilização total, o secretário-geral das Nações Unidas está obviamente atento e mobilizado. Portanto, a comunidade internacional está a criar toda a massa crítica, diplomática, mas também em termos de sanções, para passar uma mensagem muito clara ao Presidente Putin. Espero que essa mensagem seja claramente ouvida. Porque o que estamos a ver todos os dias é inaceitável".

"A bola está do lado de Putin”

O embaixador da UE no Reino Unido adianta que pode ser decidido esta semana um quinto pacote de sanções. Questionado sobre o impacto dessas sanções sobre o povo russo, também ele vítima de Putin, Vale de Almeida admite que “as sanções têm impacto no povo russo como têm impacto também nos povos dos países membros. Temos de ter consciência disso. As sanções são uma arma de último recurso para tentar influenciar uma situação no terreno. E portanto tem sempre algum impacto. Nós tentámos no máximo focalizar essas sanções no regime russo, naqueles que estão mais próximos do presidente russo ,daqueles que o apoiam ,daqueles que o financiam."

Sobre a proposta da Polónia de colocar uma força da NATO de imposição da paz na Ucrânia, admite que é uma de muitas medidas que estão a ser analisadas. João Vale de Almeida defende que “é fundamental não perder de vista que a nossa força é a nossa unidade. Essa é a força da União Europeia que está totalmente unida em torno das decisões que estamos a tomar. É fundamental manter esta grande coligação unida. E não tomar medidas que possam ter consequências não quantificadas, e eventualmente negativas e eventualmente imprevisíveis. Portanto, grande consciência da responsabilidade que temos neste momento”.

João Vale de Almeida diz que “os europeus estão bem conscientes do papel histórico que têm de assumir neste momento”. Admite que será preciso encontrar formas de entendimento com a Rússia mas só depois de a guerra parar. A bola está do lado de Putin”.

Putin queria dividir, mas "reforçou a UE e a NATO"

Sobre se foi ingénua a estratégia da UE, liderada pela ex-chanceler alemã Angela Merkel, de querer tornar a Rússia um parceiro económico, Vale de Almeida diz “há uma coisa que não podemos mudar, que é a geografia. Para o bem e para o mal, estamos condenados a ser vizinhos da Rússia. E temos de encontrar meios de coexistência com a Rússia".

"O que se passou nos últimos 20, 30 anos, foi uma adaptação dessa relação às circunstâncias que fomos vivendo, primeiro à queda do muro de Berlim, depois da desintegração da União Soviética, depois ao alargamento da União Europeia a países que legitimamente a queriam integrar. E o mesmo aconteceu na NATO. E fomos encontrando maneiras de articular esta relação. Eu cheguei a ser, em funções anteriores, o negociador-chefe do lado da UE para a criação de uma parceria entre a União Europeia e a Rússia”.

A invasão da Ucrânia pela Rússia “veio provar que a União Europeia precisa ter mais capacidade, mais autonomia do ponto de vista estratégico. Fica também provado que a Aliança Atlântica faz todo o sentido. Se o Presidente Putin queria dividir a NATO e dividir a UE, alcançou exatamente o objetivo oposto. Reforçou a União Europeia, reforçou a NATO, reforçou a relação transatlântica, reforçou o G7 e até as relações entre a União Europeia e o Reino Unido. Portanto, o tiro saiu-lhe ao lado", conclui o diplomata europeu.

Quanto ao pedido de adesão da Ucrânia à União Europeia, João Vale de Almeida explica que por mais pressa que o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tenha, há saltos que não é possível dar. “Os Estados-membros pediram à Comissão Europeia que analisasse o pedido de adesão. É aí que estamos. E como se lembrará de outros processo de alargamento, incluindo o português, o processo tem uma série de etapas, uma série de critérios. Demora o seu tempo .Portugal esteve 9 anos a negociar a adesão à União Europeia".

"E portanto esses procedimentos vão ser respeitados. Mas repito, estamos ainda na fase em que a União Europeia vai analisar o pedido". Mas foi dada luz verde quer da Comissão Europeia quer dos líderes europeus, seria impensável que agora dizer que a Ucrânia não tem condições para integrar a União Europeia? ”No momento em que lhe estou a falar”, argumenta João Vale de Almeida, ”tenho de lhe lembrar os procedimentos. E a UE é uma comunidade de Direito e, portanto, temos de respeitar esses procedimentos”, acrescenta.