Os serviços secretos (SEBIN) venezuelanos invadiram esta terça-feira a Assembleia Nacional e revistaram o gabinete do autoproclamado Presidente interino Juan Guaidó, bem como do vice-presidente (e braço-direito de Guaidó) da Assembleia, Edgar Zambrano, detido na última quarta-feira por participação na tentativa de golpe de Estado de 30 de abril.
Ao mesmo tempo, mais de uma centena de elementos da Guarda Nacional Bolivariana cercaram o Assembleia, impedindo a entrada de deputados. Segundo as autoridades, o cerco deveu-se à “suspeita da existência de um engenho explosivo" no local.
Juan Guaidó, que é reconhecido desde janeiro por várias nações (incluindo Portugal) como Presidente interino, denunciou a invasão da Assembleia Nacional (que é controlada pela oposição ao Governo) no Twitter, acusando Nicolás Maduro de “cobardia” e garantindo que o cerco representa “o “medo da sua legitimidade” – Maduro estabeleceu em 2017 Assembleia Constituinte, totalmente controlada pelo regime, para contornar o poder legislativo da Assembleia Nacional.
“Acham que o poder está nos edifícios, nas gavetas, num par de chaves. O poder que um dia tiveram, perderam-no quando perderam o povo”, conclui Guaidó.
Esta terça-feira a Assembleia Nacional da Venezuela tinha previsto debater a "perseguição" movida contra os deputados e opositores do regime que participaram na insurreição militar fracassada de abril, isto após o Supremo Tribunal de Justiça ter acusado 10 deputados de vários delitos, tendo sido levantada a imunidade parlamentar de sete dos acusados, seguida da emissão de mandados de detenção pelo Supremo Tribunal da Venezuela.
ONG denuncia execuções sumárias, detenções e mortes por agentes do Governo venezuelano
As execuções, detenções e mortes por uso excessivo da força pelos agentes do Governo venezuelano podem constituir crimes contra a humanidade, alerta um relatório hoje divulgado sobre a violência que provocou 47 mortos em janeiro.
De acordo com o documento da organização não-governamental Amnistia Internacional (AI), intitulado “Fome por Justiça: Crimes de Lesa Humanidade na Venezuela”, uma missão de investigação deslocou-se ao país sul-americano em fevereiro para avaliar a violência ocorrida no país em janeiro.
Devido às características dos ataques de janeiro, bem como a existência de padrões semelhantes em 2014 e 2017, a AI acredita que podem ter sido cometidos crimes contra a humanidade na Venezuela, um extremo que deve ser determinado por um órgão judicial independente e imparcial.
Segundo o relatório da AI, toda esta violência, associada à grave situação económica e social no país, já levou mais de 3,4 milhões de venezuelanos a deixarem o país desde 2015.
Nesta recente missão à Venezuela, os especialistas da AI reuniram-se com dezenas de vítimas de crimes previstos no direito internacional e que sofreram graves violações dos direitos humanos, principalmente em janeiro, período de grandes manifestações contra o Governo em todo o país.
De 21 a 25 de janeiro, em 12 dos 23 estados do país, pelo menos 47 pessoas foram mortas nos protestos, todas por armas de fogo.
Pelo menos 33 dessas pessoas foram mortas por agentes das forças do Estado e seis foram mortas por terceiros que agiram com a aquiescência das autoridades durante as manifestações.
Onze das mortes foram execuções extrajudiciais, das quais a AI documentou em profundidade seis casos, incluídos no relatório.
O líder da Assembleia Nacional (AN), o oposicionista Juan Guaidó, autoproclamou-se Presidente da Venezuela a 23 de janeiro e recebeu o apoio de cerca de 50 países estrangeiros, incluindo Portugal.
De 21 a 25 de janeiro, mais de 900 pessoas foram detidas de forma arbitrária em praticamente todos os estados do país.
Dessas detenções arbitrárias, que incluíram crianças e adolescentes, estima-se que aproximadamente 770 ocorreram num único dia, a 23 de janeiro, a data em que as manifestações foram convocadas em toda a Venezuela.
Desde 2014, a AI documenta os padrões e políticas repressivas do Governo de Nicolás Maduro, incluindo o “uso excessivo da força contra os manifestantes e o tratamento cruel, desumano e de tortura”, para neutralizar o protesto social.
A AI identificou e denunciou os padrões de detenções arbitrárias por motivos políticos através da análise de 22 casos emblemáticos e identificou pelo menos seis prisioneiros de consciência.
A AI também denunciou mais de oito mil execuções extrajudiciais por parte das forças de segurança entre 2015 e 2017, entre as quais oito casos foram documentados em profundidade, dando conta que padrões semelhantes de ataque foram dirigidos a jovens e homens pobres.
Toda esta documentação permitiu à AI identificar a natureza sistemática e generalizada dos eventos de janeiro de 2019 contra a população civil.
Segundo a organização, os crimes de direito internacional e as violações dos direitos humanos cometidos em janeiro foram realizados de forma consistente em quase todo o país, com um alto nível de coordenação entre as forças de segurança nos níveis nacional e estadual.
As autoridades até o mais alto nível, incluindo Nicolás Maduro, sabiam destes factos públicos e não tomaram as medidas necessárias para impedi-los ou investigá-los, acusa a AI.
Portanto, a organização não-governamental considerou que o encobrimento desses e de outros eventos subsequentes fazem parte da política de repressão.
A AI recomendou a criação de uma comissão de inquérito no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU durante sua próxima sessão em junho e julho.
Também recomendou a ativação da jurisdição universal pelos países genuinamente preocupados para a situação na Venezuela, bem como a consideração e estudo desses factos pelo Procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), que mantém um exame preliminar do país sul-americano desde o início de 2018.