“Não podemos habituar-nos ao sangue que há décadas corre neste país”, afirmou o Papa Francisco no arranque da visita que iniciou esta terça-feira à República Democrática do Congo. No encontro oficial com as autoridades, corpo diplomático e representantes da sociedade civil, em Kinshasa, Francisco apresentou-se como “peregrino da reconciliação e da paz”, e lamentou que a comunidade internacional “se tenha quase resignado” com a violência e o ódio, “sentimentos anti-humanos e anticristãos” que continuam a sufocar o país.
“Atormentada pela guerra, a República Democrática do Congo continua a padecer, dentro das suas fronteiras, conflitos e migrações forçadas e a sofrer terríveis formas de exploração, indignas do homem e da criação. Este país imenso e cheio de vida, este diafragma da África, atingido pela violência como se fosse um murro no estômago, parece há muito sem fôlego”, começou por lembrar.
Referindo-se ao "genocídio esquecido", de que o presidente congolês falara pouco antes, o Papa garantiu estar a acompanhar “todos os esforços por um futuro pacífico, harmonioso e próspero” do país. E considerou que o desenvolvimento de toda a região está “obstruído” pelas novas formas de exploração e pelo “veneno da ganância”, mas a maior riqueza do país, disse, é o seu povo.
“Todos vós sois infinitamente mais preciosos do que qualquer bem que brote deste solo fecundo!”, afirmou Francisco, que pediu “coragem” aos congoleses e que “não se deixem manipular nem comprar por quem quer manter o país na violência para o explorar e fazer negócios vergonhosos: isto só traz descrédito e vergonha, juntamente com morte e miséria”.
Um forte apelo aos líderes
“É trágico que estes lugares, e o continente africano em geral, padeçam ainda de várias formas de exploração. De facto, depois da exploração política, desencadeou-se um ‘colonialismo económico’ igualmente escravizador. Assim, largamente saqueado, este país não consegue beneficiar suficientemente dos seus recursos imensos: chegou-se ao paradoxo de os frutos da sua terra o tornarem ‘estrangeiro’ para os próprios habitantes”, denunciou o Papa, pedindo que a República Democrática do Congo, e todo o continente africano, sejam escutados e ajudados.
“É um drama face ao qual, muitas vezes, o mundo economicamente mais desenvolvido fecha os olhos, os ouvidos e a boca. Mas este país e este continente merecem ser respeitados e ouvidos, merecem espaço e atenção: tirem as mãos da República Democrática do Congo, tirem as mãos da África! Não é uma mina para explorar, nem uma terra para saquear. Que a África seja protagonista do seu destino!”, sublinhou, aplaudido por quem o escutava.
Neste discurso perante as autoridades, Francisco não hesitou em apelar a quem tem “responsabilidades civis e governamentais” para que ajude o seu povo, porque “o poder só tem sentido se se torna serviço”, “fugindo do autoritarismo, da busca do lucro fácil e da ganância do dinheiro”, e promovendo “eleições livres, transparentes e credíveis”. Pediu, ainda, que se alargue a participação nos processos de paz “às mulheres, aos jovens e aos grupos marginalizados”, que se cuide dos deslocados e refugiados, e que se aposte na educação, que é o “caminho para o futuro”.
“Há muitas crianças que não vão à escola: quantas, em vez de receberem uma digna instrução, são exploradas! Muitas morrem, sujeitas a trabalhos escravizadores nas minas. Não se poupem esforços para denunciar o flagelo do trabalho infantil e acabar com ele”, afirmou ainda neste longo discurso, em que deixou ainda um apelo à “salvaguarda da Criação” e à “proteção do meio ambiente” no país, que “abriga um dos maiores pulmões verdes do mundo, que deve ser preservado”.
O Papa chegou esta terça-feira à República Democrática do Congo, numa viagem de seis dias que o levará ainda ao Sudão do Sul, entre 3 e 5 de fevereiro.