José Souto Moura, antigo procurador-geral da República (PGR), estranha a divulgação do conteúdo das escutas telefónicas na Operação "Influencer" e sustenta que, do ponto de vista jurídico, António Costa não precisava de se demitir: “Do ponto de vista jurídico-penal, neste momento dos acontecimentos, não necessitava de se demitir”, diz José Souto Moura à Renascença.
Já no plano político, o argumento invocado por António Costa para deixar o cargo é classificado como “razoável, aceitável e até correto”.
Nesta entrevista, o ex-procurador-geral da República reage, por outro lado, com “estranheza” à divulgação de transcrições de escutas, lembrando que “as pessoas com acesso ao processo, têm que guardar esse segredo”.
E quando questionado se, neste quadro, o poder judicial não poderá, facilmente, influenciar decisivamente o rumo político do país, Souto Moura responde: “Pode influenciar o rumo político do país, se as regras não forem convenientemente cumpridas”.
No essencial, o antigo PGR sublinha, nesta entrevista à Renascença, que o Ministério Público fez o que tinha a fazer: “Provocou um facto. Esse facto foi a instalação de um processo, que é obrigatória por lei”. José Souto Moura conclui que o poder judicial não podia fazer outra coisa.
Acabámos de assistir à demissão de um primeiro-ministro e ao anúncio de que a Assembleia da República vai ser dissolvida, na sequência de um comunicado da Procuradoria-Geral da República. Pelo menos foi assim descrito. António Costa tinha outra saída, a não ser demitir-se?
Juridicamente, o primeiro-ministro é considerado um “presumido inocente”. Ou seja, a presunção de inocência é um princípio constitucional que tem que ser minimamente tomado a sério. Portanto, do ponto de vista estritamente jurídico-penal, neste momento dos acontecimentos, não necessitava de se demitir, não era obrigado a demitir-se. Possivelmente numa fase muito posterior, perante uma pronúncia, poderia ser suspenso de funções, mas isso não tem nada a ver com o momento atual.
Agora, do ponto de vista político, estritamente político, aquilo que o primeiro-ministro disse parece-me razoável, aceitável e até correto.
Ou seja?
Ou seja, é preciso que as instituições mereçam uma confiança absoluta da parte dos cidadãos, e este facto de ser indiciado, ou ter um processo, em que tem de responder, abala essa confiança por parte da população.
Mas se abala a confiança, significa isso que a presunção da inocência não foi eficaz...
A presunção da inocência não é convicção de inocência. A presunção de inocência, tem a ver com o ónus da prova. Ou seja, quem acusa tem obrigação de provar a culpa. Quem é acusado, ou é denunciado, não tem obrigação de provar a inocência. É, sobretudo, uma questão de ónus da prova. E, para além do próprio processo penal, a pessoa tem que ter um tratamento na vida da comunidade que não seja prejudicado pelo facto de ter um processo.
Mas saltaram já para o domínio público, escutas telefónicas envolver o primeiro-ministro. Como é que olha para isso?
Olho com estranheza. Eu não acredito que esse processo não esteja em segredo de justiça e as pessoas que tiverem acesso ao processo, têm que guardar esse segredo.
Ao não guardarem segredo, estão a interferir também no poder político, enquanto poder judicial, ou não?
Não, eu não sei o que é estão a fazer. É evidente que os senhores jornalistas têm direito ao segredo das fontes e, portanto, não tem que revelar onde é que foram colher essa informação...
Mas tem de vir lá dentro, certamente...
Tem de vir de quem tem acesso à transcrição das escutas.
E que não as poderia divulgar, estando em segredo de justiça...
Claro.
Ou seja, estamos num sistema em que, facilmente, o poder judicial pode influenciar decisivamente o rumo político do país?
Pode influenciar o rumo político do país se as regras não forem convenientemente cumpridas.
Imaginemos, por hipótese, que nos próximos 3 meses - até porque o assunto vai para o Supremo no que diz respeito ao primeiro-ministro – que se chega à conclusão de que eram completamente infundadas as suspeitas que, a dada altura, motivaram a investigação... como é que ficamos?
Ficamos com uma absolvição.
Poder judicial não tem responsabilidades, por tudo aquilo que, entretanto, aconteceu no país?
O poder judicial provocou um facto. Esse facto foi a instalação de um processo. A instalação desse processo é obrigatória por lei, porque a notícia de um crime dá obrigatoriamente origem a instalação de inquérito. Portanto, o poder judicial não podia fazer outra coisa.
Resumindo e concluindo: A decisão do primeiro-ministro, de deixar o governo, foi meramente política... porque, do ponto de vista jurídico, não tinha de o fazer?
Acho que sim.