A justiça espanhola retirou esta quinta-feira a acusação de crime de sedição ao ex-presidente do governo catalão Carles Puigdemont, protagonista da tentativa de independência de 2017, deixando-o num "contexto próximo ao da despenalização", segundo o Tribunal Supremo espanhol.
As mudanças na acusação a Puigdemont decorrem da entrada em vigor de mudanças no Código Penal espanhol, defendidas pelo Governo de Espanha e ratificadas pelo parlamento no final de 2022.
Puigdemont, que vive na Bélgica para escapar à justiça espanhola, deixa assim de estar acusado de sedição, crime que levou outros nove independentistas catalães à prisão por causa da tentativa de autodeterminação da Catalunha em 2017, que passou pela realização de um referendo que havia sido considerado ilegal pelo Tribunal Constitucional e uma declaração unilateral de independência no parlamento regional.
A justiça espanhola mantém, porém, a acusação a Carles Puigdemont de peculato (pelo uso de verbas públicas para organizar o referendo ilegal) e desobediência.
O novo Código Penal espanhol acabou com o crime de sedição (que previa penas de prisão até 15 anos) e alterou o de peculato (mau uso ou desvio de dinheiro público), diminuindo as penas para os casos em que as verbas não foram usadas para enriquecimento pessoal, o que é o caso dos independentistas catalães.
Quando as mudanças foram anunciadas e debatidas, o Governo espanhol e vários juristas afirmaram que com a abolição do crime de sedição, os independentistas passariam a ser acusados e condenados pelo crime de "desordens públicas agravadas", o que não aconteceu hoje com a nova decisão em relação a Puigdemont.
O juiz do Tribunal Supremo considerou que as "desordens públicas agravadas" não se aplicam ao ex-presidente catalão e que as mudanças no Código Penal o deixam num "contexto próximo ao da despenalização" dos factos que praticou e de que é acusado.
A justiça espanhola já pediu por diversas vezes a extradição de Puigdemont, mas o pedido foi recusado por outros países europeus, precisamente, por causa do crime de sedição na legislação espanhola, que já não existe nos códigos penais da generalidade dos países europeus e que no caso de Espanha mantinha uma redação quase inalterada desde o século XIX.
Mudanças no Código Penal podem reduzir penas
Puigdemont é atualmente eurodeputado e decorre na Bélgica um processo de pedido de levantamento da imunidade parlamentar que tem por causa desse cargo.
Dezenas de outros catalães estão acusados de diversos crimes por causa dos acontecimentos de 2017, a aguardar julgamento ou, como acontece com Puigdemont, fugidos à justiça no estrangeiro.
Aqueles que já foram julgados foram condenados a penas de prisão e à inabilitação para exercerem cargos públicos durante vários anos.
Com as mudanças no Código Penal, todos os já condenados ou acusados podem ver reduzidas as penas que lhes foram aplicadas ou vierem a ser aplicadas, permitindo, por exemplo, o regresso à vida política em breve, como candidaturas em próximas eleições regionais.
Nenhum dos nove julgados estão já na prisão, porque o Governo espanhol, liderado pelo socialista Pedro Sánchez, lhes concedeu indultos em 2019.
Sem uma maioria absoluta de apoio no parlamento nacional, Sánchez tem contado com os independentistas catalães (e também com os bascos, além de outras formações mais pequenas) para aprovar leis como o Orçamento do Estado.
O próprio Sánchez reconheceu que esta foi uma reforma "arriscada" do Código Penal, mas acrescentou ser o único caminho para acabar com a crispação na Catalunha e desjudicializar o conflito político.
Sánchez tem defendido que este caminho tem tido bons resultados e que, desde que tomou posse, em 2018, o independentismo catalão está dividido, há diálogo entre as instituições nacionais e regionais e deixou de haver no executivo catalão a defesa e um projeto de autodeterminação unilateral da Catalunha.
Já a direita acusa os socialistas (que estão no Governo com a plataforma de partidos da extrema-esquerda Unidas Podemos) de negociarem com "delinquentes" as suas próprias penas só em troca de garantirem "a cadeira do poder".