O Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais as normas da chamada “lei dos metadados”, que determina a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.
A decisão está a transformar-se numa “metapolémica” e há mesmo quem defenda que pode colocar em causa investigações em curso e decisões judiciais já tomadas.
De que metadados estamos a falar?
Estamos a falar de dados sobre as comunicações feitas ou tentadas pelos utilizadores das diferentes operadoras. São dados sobre as chamadas telefónicas, a navegação na Internet, entre outros, e que eram guardados durante um ano para o caso de virem a ser necessários na investigação de crimes considerados graves.
Mas esse armazenamento de dados foi recentemente declarado inconstitucional. Os juízes concluíram que são violados vários princípios, incluindo os direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar e ao sigilo das comunicações.
Esses dados incluíam escutas telefónicas?
Não. Em Portugal, escutas só podem ser feitas com autorização – e muito específica e fundamentada – de um juiz, e em crimes de maior gravidade. Neste caso, o que está em causa, por exemplo, nas chamadas, não é o conteúdo da conversa, mas sim o dia e a hora a que foram feitas e para que número, a duração, a localização dos aparelhos e, no caso dos equipamentos ligados à internet, o IP – ou seja, o número único que identifica os dispositivos sejam telemóveis, computadores ou outros.
Mas, mesmo esses dados devem deixar de ser conservados, na sequência de uma decisão que vem já de 2014, do Tribunal Europeu de Justiça, que considerou inválida uma diretiva europeia de 2006, transposta para a lei portuguesa em 2008 – portanto, há já 14 anos.
Porque só agora é que esta polémica está a dar tanto que falar?
Porque o caso tem andado entre a justiça e a política. Ao contrário do que sucedeu noutros países, em que as legislações nacionais foram entretanto adaptadas, em Portugal, apesar de alertas ao longo dos anos – por exemplo, da provedora de justiça – o tempo foi passando sem que fossem desencadeados procedimentos para a revisão da lei, nomeadamente, por parte da ex-ministra Francisca Van Dunem. No mês passado, o Tribunal Constitucional acabou por chumbar a lei de 2008 e declarar inconstitucional a preservação dos metadados.
Na prática, que consequências é que essa decisão pode ter?
Para já, deixou muitos profissionais do setor de mãos na cabeça. Juízes, procuradores, constitucionalistas falam numa decisão devastadora que pode pôr em causa milhares de processos judiciais. Há quem fale mesmo em terramoto na investigação criminal, porque, em muitos casos, os metadados são provas consideradas cruciais em casos que se arrastam há muitos anos. E a decisão do Tribunal Constitucional tem efeitos retroativos.
E, normalmente, o Tribunal Constitucional é soberano, significa que, neste caso, a decisão é final e já não há mais nada a fazer?
A procuradora-geral da República está agora a tentar limitar os danos. Numa decisão considerada inédita, Lucília Gago requereu a nulidade da decisão do Tribunal Constitucional; defende a manutenção dos chamados dados de base e do IP e pretende também que a decisão se aplique apenas para o futuro e não para os processos já em curso. Mas não se afigura fácil alterar a decisão do Tribunal Constitucional, dado que foi subscrita por 11 dos 12 juízes.