“A cultura não regressou, é propaganda”, afirma a encenadora Catarina Requeijo em declarações ao programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença. A porta-voz da plataforma que junta múltiplas estruturas e movimentos de defesa dos trabalhadores da Cultura diz ter recebido do Presidente da República a garantia de que iria falar diretamente com o primeiro-ministro sobre os problemas do setor.
Catarina Requeijo diz que Marcelo Rebelo de Sousa não tinha noção exata da situação de crise que atinge os agentes da cultura.
“O senhor Presidente da República tinha, por exemplo, uma ideia ótima da lei de contratação pública e foi preciso nós dizermos que ela não estava a ser cumprida. Nesse sentido o diálogo é sempre oportuno e construtivo. O que ficou dessa reunião com o Presidente da República foi um compromisso de falar diretamente com o primeiro-ministro, que ele acharia que seria a pessoa mais indicada para tomar uma posição em defesa do setor. Vale o que vale.”
Catarina Requeijo diz que, sem uma ajuda de emergência imediata, “e não em setembro ou em outubro, vai haver uma série de estruturas que vão desaparecer”.
A encenadora diz que o Governo mais não tem feito do que ensaiar peças de propaganda política e dá um exemplo.
“Criativa é algo que não podemos dizer que a ministra não tenha sido. Ainda há dois dias lançou outro programa igualmente criativo chamado "Não brinques com o fogo", colocando os artistas numa função didática para evitar os problemas dos incêndios. É mais uma vez uma manobra de diversão”, considera a encenadora.
“Havendo um problema na cultura e outro estrutural do país que são os incêndios, não se reforçam os meios na cultura nem os meios de combate aos incêndios. Criam um programa em que se 'matam dois coelhos', os artistas fazem uns espetáculos para explicar às pessoas que não podem fazer queimadas e fica o problema resolvido.”
Catarina Requeijo considera que o problema não vai ser resolvido enquanto houver esta “vontade de fazer manobras de diversão como se as pessoas não tivessem pensamento crítico para perceber que por detrás disto nunca tomaram uma atitude consistente com visão política”.
O chamado "regresso da cultura" com a presença de governantes em espetáculos é mera propaganda política, mas não cria divisões entre os artistas, sublinha.
“Isso não criou nenhuma incompatibilidade. As pessoas são diferentes e têm posicionamentos diferentes. Há aqui uma coisa que faz as pessoas quererem regressar: pôr comida na mesa. Ninguém se pode zangar com um colega ou uma pessoa próxima porque precisa de trabalhar. É preciso garantir que as condições para voltar estejam todas reunidas e não esquecer que há problemas que ficaram por resolver.”
Catarina Requeijo considera que, em vez de medidas, tem havido um “esforço de propaganda que parece resolver tudo, como se fosse possível retomar a normalidade com um decreto-lei ou uma notícia de telejornal”.
“Não está tudo bem. A cultura não regressou, é uma manobra de propaganda. Não se pede a um atleta com uma perna partida para correr a maratona. Primeiro tem que se engessar a perna, fazer fisioterapia a seguir, perceber se os músculos recuperaram e só então pedir que se corra a maratona”, atira a encenadora.
Quanto ao apoio do público à luta dos trabalhadores da cultura, ele existe, assegura a ativista, que não sente os artistas “desacompanhados”, mas se houvesse um “investimento maior na cultura as pessoas sentiriam falta de ir ver um espetáculo como sentem falta de ir à médica de família ou a outro bem essencial”.
As reflexões sobre a precariedade dos vínculos laborais na Cultura é o tema do "Da Capa à Contracapa" para ouvir na Renascença este sábado, às 9h30.