Todos os refugiados que chegam à Hungria passam antes pela Sérvia, pelo que os países estão essencialmente a lidar com o mesmo problema. Contudo, a atitude oficial do governo de Belgrado não se compara com o de Budapeste.
Iva Divjak, uma sérvia que trabalha com a missão dos Médicos Sem Fronteiras no seu país, fala da sua experiência de contacto directo com os refugiados e diz que a Europa está diante de uma catástrofe humanitária que precisa de ser tratada antes de se discutir questões mais complicadas.
A maioria destes refugiados vem da Síria?
A maioria vem da Síria, mas também do Afeganistão, Iraque, Somália, Eritreia e Etiópia, no fundo dos países que o ACNUR define como produtores de refugiados. Mas a maioria vem da Síria, sim.
Qual é o caminho que fazem a partir da Síria?
Esta viagem longa e complicada costuma atravessar a Turquia, depois a Grécia – seja pelo Mediterrâneo, seja por terra – depois da Grécia para a Macedónia e daí para a Sérvia. A Sérvia é um funil, sendo a última paragem antes da União Europeia, que é o objectivo final destas pessoas, que procuram chegar a países que lhes possam dar protecção sólida, onde o sistema de asilo funcione e onde possam prosseguir com as suas vidas.
Normalmente é este o caminho. Às vezes, da Grécia, em vez de ir para a Macedónia vão para a Bulgária, mas depois vêm à mesma para a Sérvia e para a Hungria, sendo esse o ponto de partida para a viagem pela União Europeia.
Qual tem sido a reacção do povo sérvio perante a presença de tantos migrantes?
Até Maio deste ano os refugiados eram praticamente invisíveis. O objectivo da maior parte é apenas de atravessar a Sérvia, muito poucos querem permanecer, tendo em conta o estado económico do nosso país. A maioria apenas quer ser ignorada e que os deixem chegar à Europa.
Mas o que aconteceu esta Primavera foi que o número se tornou tão grande que já não é possível ignorar a quantidade de pessoas que passa diariamente pela Sérvia. O que significa que os sérvios estão cada vez mais a aperceber-se das necessidades destas pessoas e ao longo deste Verão verificámos uma surpresa muito agradável… A Sérvia é um país que se recorda dos seus próprios refugiados. Nós passámos por isto, infelizmente, e parece que as pessoas não se esqueceram. Os sérvios têm demonstrado muita compaixão pelos refugiados e isso é algo que eu penso que eles apreciam muito.
E como tem sido a atitude do Governo?
O Governo tem tido uma atitude bastante amigável. Eles compreendem a situação dos refugiados que estão a passar pela Sérvia e também compreendem o enquadramento geopolítico, que os leva a passar por cá. Actualmente, temos mais de 90 mil pessoas a pessoas registadas que manifestaram a intenção de pedir asilo. Destes, apenas 500 fizeram mesmo a candidatura formal, significando que querem ficar na Sérvia. A diferença é enorme.
Esses 90 mil são o número oficial, mas os números verdadeiros, não oficiais, devem ser o dobro disso. É com isto que estamos a lidar em 2015.
As autoridades sérvias não molestam os refugiados, até porque eles não querem ficar na Sérvia. Mas eles também não querem ficar na Hungria… Porquê a diferença de atitude?
Na minha opinião a responsabilidade dos dois países para com a comunidade internacional e a União Europeia é diferente. A Sérvia é um país candidato, a Hungria está na fronteira da União Europeia.
Podemos debater as razões políticas, mas para ser sincera acho que devemos encarar isto como uma catástrofe humanitária e só depois de a resolvermos é que devemos abordar as questões mais complicadas. É a minha opinião, mas penso que a maioria das pessoas envolvidas, seja ao nível do Estado, seja das ONG, pensam da mesma forma. Pelo menos na Sérvia. Quanto à Hungria… terá de perguntar aos húngaros.
Há quem diga que a maioria dos refugiados são homens jovens e que existe o risco de se encontrarem extremistas entre eles. Qual é a sua experiência em relação a isto?
Se tivermos em conta a viagem que estas pessoas estão a fazer, caminhando ao longo de meses através de vários países, a maioria a pé ou utilizando formas muito perigosas de transporte, sendo explorados por traficantes, assaltados, feridos de diversas formas… Quando temos isto em conta e vemos as pessoas no terreno – estamos a falar de famílias com muitas crianças, menores sozinhos –, percebemos que as pessoas que estão em boa forma estão a ser enviadas à frente pelas suas famílias, que tencionam juntar-se a elas.
Os outros, os que não são a escolha mais evidente para ser enviado e as famílias inteiras, estão a fazer a viagem porque precisam. Este é um assunto que devemos abordar depois de prestar ajuda imediata, porque é melhor arriscar e dar o benefício da dúvida, pelo menos, do que julgar de início e fechar as portas a estas pessoas. Isso seria inaceitável.
Uma das coisas que as pessoas estão a perguntar é: porquê agora? A guerra na Síria começou há quatro anos.
Mais uma vez, este é um problema de percepção. Para nós, este fluxo começou há cerca de três anos. O inverno de 2013 foi a primeira vez que os refugiados começaram a tornar-se visíveis na Sérvia. Depois, sim, aumentou o ritmo, porque esta indústria do tráfego levou tempo a desenvolver-se. É verdade que há mais pessoas a fazer a viagem agora, à medida que tomam conhecimento de parentes e amigos que conseguiram chegar, mas não é uma coisa que começou de um dia para o outro, não há razões secretas, a migração de massas é algo que leva tempo. É isto que estamos a testemunhar agora e é melhor ter um plano de contingência antes de cá chegarem do que ser apanhado de surpresa.
As medidas adoptadas pelo governo húngaro podem servir para impedir os traficantes?
Acho que estas medidas apenas vão piorar a situação, dando mais influência aos criminosos e traficantes para pedirem mais dinheiro pelos seus serviços. Está a provocar mais violência e sofrimento para as pessoas que estão a adoptar estes riscos. Porque é impossível impedir as pessoas de encontrarem um local seguro para prosseguirem as suas vidas. É impossível impedir as pessoas de migrar. Se não forem pela Hungria irão por outro país qualquer. Encontrarão um caminho e a única coisa que podemos fazer é assumir a responsabilidade por eles e pela situação e tentar organizar a migração, porque estamos no seu caminho e somos responsáveis enquanto seres humanos por resolver a situação. Não me parece que as medidas que a Hungria está a adoptar atinjam os fins propostos.
Aproxima-se o Inverno, quais são as perspectivas?
Olhando para os números, a Sérvia tem cerca de 1000 lugares para refugiados nos seus centros de asilo – que por sinal são abertos, não são centros de detenção. Teremos milhares de pessoas ao relento. Na Sérvia está-se actualmente a preparar planos de contingência, por parte do Estado, mas também por parte de organizações internacionais e não-governamentais. Estes últimos dois invernos foram muito rigorosos e a maioria das pessoas estava na rua. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para, pelo menos, diminuir o número de pessoas que ficam ao abandono. Mas tendo em conta o fluxo que se espera, temos medo que este Inverno também seja muito complicado para quem decidir atravessar pela Sérvia.