O diretor de supervisão da CMVM disse esta quarta-feira que os procedimentos de auditoria realizados no BES Angola teriam de estar explicitados nos memorandos da KPMG Portugal e ter impacto na emissão de parecer às contas consolidadas do Grupo BES.
Tiago Ferreira foi ouvido esta quarta-feira como testemunha no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, no julgamento do pedido de impugnação apresentado pela KPMG à decisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que aplicou uma coima de 1 milhão de euros à auditora por infrações no âmbito da auditoria às contas consolidadas do Banco Espírito Santo (BES), relativas aos exercícios de 2012 e 2013.
Num depoimento que irá prosseguir na quinta-feira, Tiago Ferreira declarou que as situações detetadas pela KPMG Angola nas contas de 2012 e 2013 do BESA, em particular as relativas à carteira de crédito do banco, deveriam ter dado origem a uma explicitação de todos os procedimentos adotados para apuramento da informação necessária à emissão de parecer.
Essa explicitação da "natureza, oportunidade e extensão" dos procedimentos adotados perante a identificação de situações de risco deveria constar dos memorandos elaborados pela KPMG Portugal, responsável pela certificação das contas consolidadas do Grupo BES, afirmou.
Na sessão do passado dia 07, o presidente da KPMG, Sikander Sattar, afirmou que a CMVM não viu os documentos relativos ao BESA porque não solicitou acesso junto dos supervisores angolanos, sublinhando que as pastas de trabalho da KPMG Angola não podem sair do país, a exemplo do que acontece com qualquer outra sucursal situada num país diferente.
Na sua decisão, a CMVM condenou a auditora por práticas como falta de documentação adequada dos procedimentos de auditoria realizados no BES Angola, em particular quanto à prova obtida sobre o crédito a clientes numa unidade que relevava para as contas consolidadas do BES.
Tiago Ferreira, que antes de iniciar funções na CMVM trabalhou em auditoria a instituições de crédito, nomeadamente em Angola (entre 2013 e 2016) pela Ernst & Young, reconheceu "diferenças" no trabalho que é realizado nos dois países, salientando que naquele país africano "era normal outro tipo de risco, que o auditor tinha de acautelar".
Como exemplo apontou os referenciais contabilísticos diferentes, as deficiências dos sistemas de controlo interno implementados nas instituições bancárias ou as dificuldades no registo predial, este com implicações na avaliação dos colaterais associados aos créditos, dada a prática de "coisas não usuais em Portugal como as promessas de hipotecas".
Reconhecendo que havia em Angola dificuldades acrescidas ao trabalho de auditoria, como os apontados pela KPMG no processo, nomeadamente quanto ao acesso à informação sobre os mutuários, o destino do financiamento, a cobertura dos riscos, Tiago Ferreira afirmou que essas situações obrigavam à adoção de medidas inspetivas alternativas.
Admitindo que elas tenham existido, Tiago Ferreira afirmou que a descrição pormenorizada desses procedimentos não consta dos documentos da KPMG Portugal para fundamentar por que razão as reservas emitidas às contas em Angola não tiveram impacto nos pareceres das contas consolidadas.
Sikander Sattar, quando questionado pela juíza Mariana Machado sobre os factos que constam na acusação da CMVM, relativos à falta de informação sobre a carteira de crédito do BESA e que o regulador entende que deveria ter originado a emissão de reservas às contas consolidadas do BES, afirmou que esse é um dos "grandes equívocos" da decisão, ao assumir como finais afirmações que são reportadas em relatórios interinos.
No entendimento da CMVM, a documentação deficiente da informação relativa ao BESA inviabilizou a cabal compreensão das contas consolidadas do BES, considerando que a auditora não documentou "factos importantes que eram do seu conhecimento", não incluiu reservas e prestou informações falsas, e que o fez deliberadamente.
O julgamento prossegue na quinta-feira com a continuação do depoimento de Tiago Ferreira e a audição de Andreia Ferreira, também do departamento de supervisão da CMVM.