A historiadora Maria João Tomás considera que, no rescaldo das mudança operadas no Afeganistão, "a Europa precisa de ter muito cuidado, tem de ter uma posição de força, senão acaba engolida e esmagada por estas duas potências: pela Rússia e, sobretudo, pela China.
Em declarações à Renascença, esta professora da Universidade Autónoma de Lisboa, que é doutorada em História e Cultura do Médio Oriente Antigo desta a importância estratégica do Afeganistão, que russos e chineses encaram como "porta para o Mediterrâneo".
É crível que os talibãs possam cumprir a promessa de respeito pelas mulheres, de não fazer vingança e de não fazer do Afeganistão um ponto de partida para ataques?
Os talibãs têm uma ideologia-base que é fundamentalista e segue as determinações Wahhabi que norteavam até há pouco tempo a política da Arábia Saudita, país que se está a demarcar dessa ideologia.
Já os talibãs continuam seguir essa linha dura - proíbem música, dança e remetem as mulheres para um universo privado. É uma ideologia muito fundamentalista. Nas Nações Unidas, o secretário-geral António Guterres já alertou que do território já há relatos de violações, na zona rural. É preciso esperar para ver.
Como podem os talibãs permanecerem no poder de forma sustentada, em matéria de financiamento?
Há já uma grande mudança. Antes, os talibãs proibiam o cultivo e venda de ópio, agora são os maiores produtores de ópio que é uma das suas principais fontes de financiamento, a par do tráfico de armas. Deverá ser suficiente para garantir o poder no Afeganistão, uma vez que o ópio produzido não é apenas para fins recreativos, mas também para fins medicinais e tem no Irão um comprador, uma vez que, com as sanções ocidentais, o Irão não tem acesso a medicamentos, sobretudo anestésicos
O que vale o Afeganistão do ponto de vista estratégico?
É importantíssimo e, com o abandono dos EUA, há já um posicionamento da China e Rússia, apesar de ser um xadrez complexo.
A China pretende estabilidade e, por isso, começou a negociar com os talibãs mal os americanos saíram. Economicamente, a Rússia e a China olham para o Afeganistão como porta para o Mediterrâneo.
A Europa precisa de ter muito cuidado, tem de ter uma posição de força, senão acaba engolida e esmagada por estas duas potências: pela Rússia e, sobretudo, pela China.