O Presidente da República e o primeiro-ministro recordaram numa emissão especial da Renascença onde estavam no 25 de abril de 1974, o dia da Revolução dos Cravos.
Num programa em direto a partir da residência oficial do primeiro-ministro, em São Bento, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa entraram na máquina do tempo e recuaram 45 anos até àquele período da História portuguesa.
António Costa tinha apenas 13 anos e que soube que alguma coisa importante estava a acontecer através da sua mãe, Maria António Palla, que era jornalista.
“Na noite de 24 pra 25 estava na minha caminha, até ao momento em que a minha mãe jornalista me foi acordar. Trabalhava no ‘Século’ e acordou-me porque tinha de ir trabalhar porque tinha havido uma revolução, tinha que ir para a rua. Nesse dia em que as pessoas foram libertadas eu fui enclausurado em casa de uma amiga da minha mãe, a Olga, na rua dos Jasmim, e lá estivemos todo o dia a tentar saber notícias que ia ouvindo esporadicamente pela rádio”, conta o primeiro-ministro e líder do PS.
O “jovem” António Costa acabou por sair para a rua no dia 26 de abril e respirar os primeiros ventos de liberdade. “Era impossível manterem-nos em casa e fomos para a rua. Fui com o José Rolim, um homem que esteve preso muitos anos, fomos para o Chiado e depois foi um ano inteiro a andar na rua”.
A primeira memória que António Costa tem de uma manifestação é das violentas cargas policiais sobre os estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa, antes da revolução.
Em 1973, foi a Milão, Itália, e assistiu a “uma gigantesca manifestação” contra o golpe de Estado no Chile. “Era muito miúdo e fiquei surpreendido, porque a polícia em vez de bater nos manifestantes, como cá se via, pelo contrário, mandava parar o trânsito para os manifestantes desfilarem e protegia os manifestantes. Essa foi a primeira visão que eu tive de uma manifestação democrática. Depois só no 1 de Maio de 1974”.
Marcelo “irritantemente pessimista na ótica" de Marcello
O Presidente da República também participou (por telefone) nesta emissão especial da Renascença para assinalar os 45 anos do 25 de Abril. Marcelo Rebelo de Sousa, que na altura era jornalista do jornal “Expresso”, recordou como viveu intensamente o dia em que o Estado Novo caiu.
“Estava a trabalhar no Expresso. Na noite de 24 de abril interrompi o trabalho, porque no Expresso estávamos em provas de página, que era uma censura muito pesada, e fui ver futebol a casa de um amigo, no Restelo. Voltei para o Expresso era meia-noite e meia para continuar a trabalhar até às 5h00 da manhã.”
Quando deixou as instalações do jornal, Marcelo viu “movimentos esquisitos” que parecia ir em direção ao Rádio Clube Português.
“Não havia telemóveis, na altura. Vivia no Monte do Estoril e fui num instante tomar um duche a casa. Comecei a fazer telefonemas. Sabia mais ou menos porque o António Reis me tinha dito que estaria próximo o movimento militar, mas não sabia exatamente o dia. Informei-me que tinha começado o 25 de Abril, liguei a meia dúzia de amigos, um deles o Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, João Salgueiro; liguei para a minha família e fiquei a saber que o meu pai, que na altura estava no Governo, tinha saído a minha mãe não sabia para onde… E voltei para o Expresso a correr para refazer o jornal à medida que o acontecimento ia fluindo.”
Uma equipa de jornalistas foi para o Quartel do Carmo, outra para Belém, outra pelas ruas de Lisboa. Marcelo ajudou Pinto Balsemão “na coordenação e na reescrita do Expresso”.
“Sai à rua e também andei pelas ruas de Lisboa, e depois voltei para o Expresso. O 25 de abril foi também passado a receber pessoas que passavam por lá, como o Mota Amaral, que era deputado da Assembleia Nacional. Nós dissemos que não valia a pena ele ir à Assembleia Nacional, porque já não havia Assembleia Nacional.”
Décadas antes de ser Presidente da República, o jornalista Marcelo conta que só não foi atrás da coluna militar porque alguém tinha que ficar a organizar o que se passava no jornal.
“Fiquei na redação ao telefone a receber a descrição que o homem da publicidade fazia a partir de uma cabine no Largo do Carmo. Depois fui à rua ver o que se passava, mas depois lembrei-me que tinha de voltar para a redação. No meio de isso tudo ainda travámos um funcionário que queria levar as provas à censura: ‘não vale a pena Rui, já não há censura e se há é igual ao litro’”, recorda.
Uma parte da família de Marcelo Rebelo de Sousa estava com a revolução e outra no Governo. “Aí tenho uma conversa muito curiosa. Finalmente, fiz chegar ao meu pai a ideia de que a revolução tinha triunfado. Ele terá dito ao professor Marcello Caetano, que estava no Carmo e não percebia porque é que ele estava no Restelo e não ia para o Carmo: ‘o Marcelo Nuno, que sabe o que se passa, acha que a revolução já ganhou há imenso tempo’. Ao que Marcello Caetano terá respondido: ‘mas o Marcelo Nuno já sabemos de que lado é que está. Ele vê sempre a coisa do lado errado, nesta matéria’”.
Questionado se a conversa com o pai foi decisiva para o regime perder todas as esperanças, o Presidente acha que não, porque “o professor Marcello Caetano era muito teimoso”.
“Ainda ficou irritado com o meu pai. Ao contrário do que ele pensava, não havia forças fora de Lisboa para socorrer o Governo. Eu penso que Marcello Caetano percebeu quando o emissário de Spínola foi ao Carmo dizer que queria falar com ele porque o regime tinha caído”.
Foi então que o primeiro-ministro não resistiu a fazer um aparte. “É que, pelos vistos, o professor Marcello Caetano achava-o irritantemente otimista”, disse António Costa.
E Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: “irritantemente pessimista na ótica dele. Irritantemente otimista da minha ótica, mas isso é a diferença entre ter 25 anos ou 70. Os irritantemente otimistas, normalmente, vão até aos 57 ou 58 [risos]”.