Ultraliberal e polémico, o economista Javier Milei foi eleito presidente da Argentina com quase 56% dos votos. O resultado conduz o país a uma mudança de rumo, depois de décadas de peronismo - um movimento político surgido na Argentina durante a década de 1940 e liderado por Juan Domingo Perón, antigo presidente do país em duas ocasiões.
Mas quem é Javier Milei? Um “outsider” excêntrico de cabelo selvagem que se declara "anarcocapitalista" e “liberal-libertário” e que se insurgiu contra os políticos tradicionais, sugerindo que se trata de uma “casta” que deveria ser eliminada. De recordar que o seu slogan de campanha era "que se vayan todos" e que prometia e usar "uma serra elétrica" na máquina do Estado.
Com longas patilhas e aparecendo, várias vezes, de casaco de cabedal, o político de extrema-direita, de 53 anos, é propositadamente provocador e ataca frequentemente a esquerda. Milei ganhou fama como comentador televisivo, já que os seus discursos agressivos e politicamente incorretos o transformaram num convidado quase obrigatório.
Mas se economicamente é liberal, em temas sociais Milei é conservador: quer revogar a lei do aborto e acredita que o aquecimento global e a educação sexual são conspirações.
Milei chocou o país quando derrotou as duas principais forças políticas da Argentina nas eleições primárias de agosto, para ser eleito este domingo com 55,8% dos votos, tornando-se assim o novo Presidente da Argentina.
"Começa o fim da decadência"
Javier Milei afirmou no domingo à noite, no seu discurso de vitória, que "começa o fim da decadência" e a "reconstrução da Argentina", alertando que "não haverá meias medidas".
Depois de ter vencido o atual ministro peronista da Economia, Sergio Massa, o Presidente recém-eleito declarou ainda que “o modelo empobrecedor de castas acabou. Hoje [domingo] estamos a adotar o modelo de liberdade, para nos tornarmos novamente uma potência mundial”.
O economista ultraliberal não vai ter uma tarefa fácil, já que o país se encontra mergulhado numa profunda recessão. Assumindo um Governo de cofres quase sem reservas e com uma dívida ao FMI de cerca de 45 mil milhões de euros e com uma inflação superior a 143%, que esmaga os bolsos dos argentinos, Milei pretende lançar a economia argentina no liberalismo radical e, durante a sua campanha, propôs-se a acabar com o peso e adotar o dólar americano, como forma de combate à inflação. Esta é só mais uma das várias ruturas que pretende para as políticas económicas e financeiras do país.
"Enfrentamos problemas monumentais: inflação, estagnação, ausência de empregos reais, insegurança, pobreza e miséria", declarou o presidente eleito. "Problemas que só terão solução se abraçarmos mais uma vez as ideias de liberdade".
Contudo, a proposta de Milei para conter a inflação é vista pelos especialistas como impraticável, muito devido à escassez de dólares nos cofres do Banco Central, e os críticos defendem que pode mesmo acabar por desvalorizar ainda mais o peso, agravando a situação.
Depois de ter surpreendido o país com a sua vitória nas primárias e de ter ficado aquém do esperado na primeira volta, Milei procurou apresentar-se como mais moderado na segunda volta, o que se contrapõe às suas inclinações políticas e ao seu discurso de vitória, no qual também prometeu que "não há espaço para o gradualismo, não há espaço para a tibieza ou meias medidas".
Atualmente, mais de 40% dos argentinos vivem na pobreza, em 2017 eram 25%.
Economicamente liberal, socialmente conservador
É declaradamente contra o aborto – com exceção dos casos em que a vida da mãe esteja em risco –, por isso, pretende reverter a lei aprovada em 2020 e considera que a educação sexual nas escolas é uma conspiração para destruir a “família tradicional”. Nega ainda a existência do aquecimento global, que diz ser uma “mentira do socialismo” e uma ideia da esquerda radical e do “marxismo cultural”.
Além de se opor ao aborto, Milei negou a existência de diferenças salariais entre homens e mulheres - apesar das estatísticas que sugerem que as mulheres no país ganham menos 27% do que os homens - e evitou responder a uma pergunta sobre violência de género num debate - posições que levaram a manifestações pelos direitos das mulheres em todo o país, devido ao receio de que os seus direitos fossem postos em causa.
O líder d’A Liberdade Avança tem manifestado também apoio a outras posições extremas, incluindo a liberalização da posse de armas e defende a liberdade dos indivíduos de venderem os seus órgãos. “A minha primeira propriedade é o meu corpo. Se por algum motivo quiser desfazer-me de uma parte do meu corpo, qual é o problema?”, declarou numa entrevista.
O programa político de Milei conta com propostas para “devolver a autoridade” às forças de segurança, como baixar a idade de responsabilidade criminal dos menores, e levar a cabo uma reforma também no sistema prisional. Na opinião de Milei, o Estado deve limitar-se, em grande medida, à segurança interna, para tal, prometeu cortar os ministérios da "Educação", do "Ambiente" e das "Mulheres, Género e Diversidade", entre outros.
"Sabemos que há pessoas que vão resistir, que vão querer manter este sistema de privilégios para alguns, mas que empobrece a maioria. Digo-lhes isto: tudo o que está na lei é permitido, mas nada além da lei", sublinhou.
Pretende assim avançar com uma redução do número de ministérios para apenas oito. Esta última proposta levou a o seu adversário afirmasse, durante a campanha, que a medida poderia colocar em causa prestação de serviços essenciais à população, como Saúde e Educação.
Contra o confinamento
Milei ganhou bastante visibilidade durante a pandemia, quando se juntou a protestos contra o confinamento organizados por jovens e com aparições regulares na televisão, argumentando que o custo das medidas de confinamento acabaria por exceder os problemas gerados pela covid-19.
Num momento em que a direita estava a ganhar força nas redes sociais, Milei tinha muita audiência nas redes sociais. No TikTok, por exemplo, a sua conta oficial é gerida por um colaborador de 22 anos e tem quase quatro vezes mais seguidores do que as contas dos candidatos de centro-esquerda e de centro-direita juntos.
Segundo algumas análises, a juventude argentina que, não era associada à direita, terá sido uma das principais fontes do seu apoio – homens jovens em particular.
Algumas sondagens indicavam que quase 50 por cento dos eleitores com 29 anos ou menos apoiavam Milei. Um contraste com 2019, quando se realizaram as últimas eleições presidenciais, em que os jovens eleitores eram vistos como um grupo importante a favor do candidato de esquerda, pelo que este apoio a Milei parece representar uma certa viragem no paradigma político.
Um dos principais motivos para esta alteração poderá ser a crise económica prolongada, levando os jovens a querer “quebrar” com as políticas de costume, bem como a forte reação contra as restrições da pandemia, que ajudaram a popularizar a retórica “anti-establishment”, associada a várias alterações progressistas na Argentina, nos últimos anos, incluindo o projeto de lei que legalizou o aborto em 2020.
O próximo presidente argentino, que sucederá ao peronista Alberto Fernández (2019-2023), governará a partir de 10 de dezembro para o período 2023-2027.
Trump "orgulhoso" com vitória de Milei
O ex-Presidente dos Estados Unidos Donald Trump afirmou-se orgulhoso com a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais da Argentina.
"Parabéns a Javier Milei por uma grande eleição como presidente da Argentina. O mundo inteiro estava de olho em ti! Estou muito orgulhoso de ti", escreveu nas redes sociais.
"Vais mudar o teu país e tornar a Argentina grande novamente!", acrescentou Trump.
Elon Musk, dono da “X” (antigo Twitter), deu os parabéns a Milei e garantiu na rede social que "a Argentina tem a prosperidade pela frente".
Em resposta a outra publicação, Musk disse que a vitória pode ser o início de "uma tendência" de derrota para a esquerda em outras partes do mundo.
Já em Portugal, a vitória de Milei foi saudada por André Ventura, que esteve com o argentino num comício do Vox em Madrid, no final de julho. O líder do Chega afirmou, na rede social X (antigo Twitter), esperar que este consiga "derrotar o fantasma do socialismo".
Além de Ventura, também o ex-candidato presidencial Tiago Mayan Gonçalves desejou "muitas felicidades" ao economista radical.
“Muitas felicidades e, sobretudo, muita responsabilidade”, escreveu no “X” o atual presidente da Junta da União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde.
Tiago Mayan foi fundador do partido Iniciativa Liberal, em 2017, além de presidente do Conselho de Jurisdição da Iniciativa Liberal desde a fundação até ao final de 2020.
No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também felicitou a a vitória de Melei: “Parabéns ao povo argentino pela vitória com Milei. A esperança volta a brilhar na América do Sul”, escreveu Bolsonaro no X, acrescentando "que esses bons ventos alcancem os Estados Unidos e o Brasil para que a honestidade, o progresso e a liberdade voltem para todos nós".
Jair Bolsonaro e o filho Eduardo Bolsonaro anunciaram também que vão marcar presença na tomada de posse do presidente eleito da Argentina, a dia 10 de dezembro em Buenos Aires.