O cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, que morreu a 12 de março de 2020, disse que vinha trabalhar. Melhor: foi isso que os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) entenderam, sem nunca terem chamado um intérprete. Valeu-lhes a ferramenta de tradução do Google e uma colega inspetora russa, Irina.
O relato foi feito durante o testemunho de Rui Tártaro. O inspetor SEF foi quem fez a segunda entrevista a Ihor por volta das 18h15, de dia 10 março.
“A entrevista correu normalmente, calma, tranquila, rápida, explicou o que ia fazer, quanto tempo [um ano], que trabalho e quanto ia ganhar [1.200 euros]. Explicou que vinha trabalhar numa empresa com valências de trabalhos agrícolas e construção civil”, informação que obteve do cidadão ucraniano com recurso à tradução feita pela colega inspetora Irina.
Rui Tártaro recordou ter notado que Ihor Homeniuk “tremia quando foi assinar o auto”.
A testemunha do processo admitiu que existe uma lista de intérpretes a quem se pode pedir ajuda para contactar com os passageiros, mas que recorreu mais facilmente à colega russa, Irina.
A primeira testemunha a ser ouvida na quarta sessão de julgamento foi Augusto Costa, também ele inspetor do SEF, quem intercetou Ihor Homeniuk à chegada a Portugal. Deu conta de que a rota Ucrânia-Istambul-lisboa “traz muitas vezes imigração ilegal, tráfico, etc…” e levanta outros motivos de averiguação dos passageiros.
“Há milhares de passageiros que chegam e não falam a nossa língua. Usei a ferramenta de tradução do Google [o áudio]. Procurei palavra trabalho, turismo. Ele [Ihor] disse ‘traktor’. Deduzi que vinha trabalhar. Mostrou dinheiro [300 euros]. Só tinha bilhete de vinda”.
A testemunha acrescentou depois: “eu como inspetor do SEF não o podia deixar passar como turista porque ele não era turista”.
Augusto Costa explica que está previsto na lei que os passageiros façam prova de quais são as intenções: roteiros turísticos, bilhetes de regresso, dinheiro.
“Ihor caiu de costas”
Nuno Pereira, inspetor SEF, estava ao serviço quando foi chamado pelo inspetor-chefe para instalar três passageiros e um quarto elemento, que era Ihor Homeniuk.
“Vejo-o agitado a andar às voltas dentro da sala. Percebi que ele não entendia Português nem Inglês” e continuou a descrever: “depois, ao passarmos o pórtico do raio x, ele levanta os braços e cai de costas e bate com a cabeça. Teve convulsões. Quando veio a si, abriu os olhos e não percebia onde estava. Prestei-lhe a assistência imediata”, relata Nuno Pereira.
Daquele episódio recordou que percebeu que Ihor Homeniuk “estava a espumar e com sangue e os batimentos cardíacos espaçados e a reduzirem”.
“Pedi uma caneta para lhe meter na boca, mas não consegui. Meti-o na posição de segurança lateral e tentei abrir a boca e ele mordeu-me”, disse o inspetor Nuno Pereira, garantindo que o passageiro teve assistência prestada pela Cruz Vermelha.