França é o país com maior comunidade de portugueses e também aquele onde o pior da pandemia parece ainda não ter passado.
Ao nível europeu, França é, nesta altura, o país com mais casos desde o início da pandemia – já mais de cinco milhões. Além disso, é um dos países com maior incidência do vírus (com mais de 800 casos por 100 mil habitantes) e, mais preocupante, é que está quase a ultrapassar a barreira dos 100 mil mortos.
De resto, no que toca às medidas sanitárias, os franceses estão impedidos de se deslocar para lá de um raio de 10 quilómetros de casa e foi decidido manter o recolher obrigatório entre as 19h00 e as 6h00. Fecharam ainda escolas, creches e o comércio não essencial.
À Renascença, o vereador da Câmara de Paris reconhece que "os apoios do Governo francês têm sido uma lufada de oxigénio", mas alerta que "a ajuda não vai durar para sempre".
No que toca à comunidade portuguesa, Hermano Sanches Ruivo dá conta que os portugueses com estabelecimentos de restauração ou alguns com negócios por conta própria estão a ser os mais afetados.
“No que diz respeito à comunidade portuguesa, os portugueses que estão muito ligados ao comércio vão tendo uma situação mais fácil, porque há comércios que são bens de primeira necessidade e podem continuar abertos. Ao mesmo tempo, muitos portugueses estavam ligados a bares e a restaurantes e esses claramente estão numa situação muito difícil. O que também prevalece na comunidade portuguesa, que já está em França há mais de 50 anos, é que muitos são proprietários dos próprios estabelecimentos e não têm clientes, portanto é uma situação muito difícil”, aponta.
Já escasseiam apoios
A Santa Casa da Misericórdia de Paris e as associações socioculturais têm vindo a ajudar os que estão por esta altura a enfrentar maiores dificuldades, nomeadamente, entregando bens alimentares. No entanto, já começa a ser difícil responder a tantos pedidos de ajuda, diz o vereador da Câmara de Paris.
“A Santa Casa da Misericórdia de Paris tem visto aumentar de forma consequente os pedidos. Vêm de famílias numerosas ou de pessoas que vieram trabalhar para França e que se encontram agora sem trabalho e não têm condições para regressar ao seu país por estarem aqui bloqueadas”, exemplifica.
“Agora, a grande dificuldade é que a Santa Casa está a tentar dar resposta a outras regiões de França, mas não tem os meios para responder a uma necessidade que antigamente estava mais ligada aos grandes centros, mas que agora se encontra ligada a portugueses ou lusófonos de todo o território. Daí a necessidade de pedir apoios que possam vir de Portugal. Portanto, a solidariedade existe, mas ainda não é suficiente para o que é necessário e do que vai ser necessário, porque é preciso termos uma visão do futuro”, conclui.
Hermano Sanches Ruivo também está a tentar perceber de que forma é que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa poderá ajudar a comunidade portuguesa em França.
Agora poupa-se mais e manda-se menos dinheiro
Questionado sobre o facto de, pela primeira vez, os emigrantes portugueses na Suíça terem enviado mais dinheiro para Portugal no ano de 2020 do que os que trabalham em França, o vereador de Paris diz que a comunidade portuguesa prefere agora ter dinheiro de reserva, porque o futuro é incerto.
“O que nós vemos aqui em França é que claramente há um grande trabalho de poupança e é natural que quem ganhe menos não envie tantos investimentos para Portugal”, avança.
“Acho que há, sobretudo, a vontade de poupança mantida em França, porque as pessoas preferem guardar a capacidade de financiamento aqui para gerir uma situação que poderá surgir, sejam pequenos empresários, artesãos, sejam pessoas que tenham investimentos aqui ou que têm a vida aqui e sobretudo os filhos. É em França que têm grande parte da despesa”, diz.
O desafio da vacinação
No que toca ao combate à pandemia, Hermano Sanches Ruivo fala em vários desafios, partilhados com tantos outros países europeus, que se deparam com o problema da escassez de vacinas.
Além disso, há quem continue a questionar a eficácia e a segurança de vacinas como a da AstraZeneca e da Johnson & Johnson.
“Há claramente pessoas que estão a recusar, que estão preocupadas e têm medo dessas vacinas. No entanto, essas pessoas têm vindo a ser cada vez menos e o que está a acontecer agora é que há cada vez mais pessoas a aparecerem nos centros de vacinação sem qualquer marcação, para saberem se sobrou alguma vacina ao final do dia e não terem de esperar por um agendamento”, relata.
“O problema é que estamos a chegar a um patamar em que não há vacinas suficientes e ainda temos as más notícias de que vamos ter de esperar mais tempo para receber vacinas como a da Johnson & Johnson”, acrescenta.
Nesta entrevista à Renascença, o vereador da Câmara de Paris mostra-se preocupado com "a falta de paciência que se sente por parte da população, sobretudo dos jovens" e com a "falta de capacidade do Estado e das Câmaras para fiscalizar as situações de incumprimento”.