“Acho que me vou atirar para cima do Papa, com todo o respeito”
13-05-2017 - 18:58
 • João Carlos Malta , Ricardo Vieira

Fora e dentro do santuário uma massa imensa de peregrinos não perdeu um segundo da canonização dos pastorinhos e da despedida do Papa. Ecrãs, rádios ou às cavalitas, todas as maneiras foram boas para estar com Francisco.


Ao ver o Papa na tela a rezar diante de Nossa Senhora de Fátima, Sebastiano caiu sobre os joelhos, cruzou as mãos sobre o peito, fechou os olhos e rezou também. Ao mesmo tempo, a mulher Rosa orava e chorava.

Os peregrinos canadianos foram dois dos muitos milhares que não conseguiram lugar no Santuário da Cova da Iria e assistiram às celebrações do Papa das periferias fora do recinto.

Depois do momento de grande emoção, Sebastiano disse que ver o Papa Francisco é “fantástico e muito especial”, nem que seja “através da ‘videowall’”. Acompanhados pelo filho, o casal segue viagem – vai percorrer o caminho até Santiago de Compostela.

“Acho que me vou atirar para cima do Papa”

Longe do grande ecrã, com as cerimónias a meio, Ana Sofia e duas amigas já reservavam lugar junto à estrada para ver o Papa passar, muitas horas depois, rumo à base aérea de Monte Real.

As três decidiram ir a Fátima de repente, uma “loucura de última hora”. Não conseguiram entrar no recinto sobrelotado, mas queriam despedir-se como quem diz adeus a um amigo que custa ver partir.

“Fui arrastada pela emoção de vir. Estou quase a chorar por saber que ele vai passar aqui. Estou desejosa. Acho que me vou atirar para cima dele, com todo o respeito. Adoro o Papa Francisco”, diz Ana Sofia.

Do Líbano para ver Francisco… e a polícia

Um pouco mais à frente, um cristão veio de propósito do Líbano para ver Francisco. Trazia um rosário ao peito e estava radiante por estar com o Papa, mesmo acompanhando pelos ecrãs gigantes.

O sentimento contrastava com alguma tristeza por ter sido abordado pela polícia – “por ser árabe”, segundo disse, e por trazer uma mochila às costas, uma das medidas de segurança adoptadas pelo apertado esquema de segurança montado para a visita de Francisco.

Patrícia, de 28 anos, vai todos os anos a Fátima. Optou por não acompanhar as cerimónias do 13 de Maio no santuário e preferiu ficar na parte de fora. As razões: os dois “filhos pequenos” e “um bocadinho de receio” de um atentado no recinto.

Dentro ou fora do recinto, entre momentos de alegria, silêncio e oração, “o sentimento de estar em Fátima, aos pés de Nossa Senhora, é sempre igual”, garante Patrícia.

Os pára-quedistas também choram

Boina verde na cabeça, terço ao pescoço, camisola de Jesus Cristo e óculos escuros. José Nunes, 57 anos, foi pára-quedista, mas não tem vergonha de dizer que chorou ao chegar a Fátima, depois de uma longa caminhada desde a Graça, em Lisboa.

“Não há bolhas, não há dores. Quando chegamos à Rotunda dos Pastorinhos e as lágrimas começam a cair, acaba tudo. Um pára-quedista chora. São as nossas lágrimas. Chegámos, foi mais um ano, conseguimos”, conta o ex-militar.

Estes são dias que José Nunes não vai esquecer. Ficou “arrepiado” ao ver o Papa Francisco e assistir à canonização dos pastorinhos, mas vai ter que deixar Fátima mais cedo.

“Estive no recinto ontem e hoje e agora vou para o carro e vou para o Marquês”. Para a (desejada) festa do título do Benfica.

Dentro, mas sem ver

Já dentro do santuário, houve também milhares que não viram o Papa ao vivo. O barulho das cadeirinhas a posicionar-se junto aos ecrãs que ladeavam a basílica da Santíssima Trindade criava uma espécie de orquestra ritmada. Ainda faltava quase uma hora para Francisco entrar sentado no papamóvel dentro do recinto.

“Daí vê-se o ecrã?”, pergunta uma mulher. “Sim, anda”, ouve-se do outro lado.

Em frente, muitos pegam no telemóvel para combinar com os companheiros de peregrinação o local de encontro para ver o Papa.

Tentando galgar alguns metros para chegar mais perto da Capelinha das Aparições, torna-se cada vez mais difícil passar. Cada metro conquistado demora largos minutos. Na multidão, há uma mulher que se empoleira nas costas de uma amiga para testar a visão do altar da celebração.

“Agora já vejo a Capelinha, mas quem me dera hoje ter mais 20 centímetros”, lança a peregrina entre sorrisos.

Uma jovem, com cerca de 30 anos, cai estatelada no chão. A multidão abre uma clareira e duas pessoas auxiliam a peregrina. Água, açúcar e a chegada de uma equipa de bombeiros ajudam à recuperação. Foi só um susto.

Um pouco mais à frente, um homem com uma criança ao colo assiste à passagem do andor de Nossa Senhora. “É a mãe de Jesus, filho”, diz o pai. O menino bate palmas a Maria.

Os momentos de alegria intervalavam-se com os períodos de introspecção. Mesmo ao lado, uma fiel na casa dos 60 anos vive a passagem da imagem com as mãos sobre os olhos. Segundos depois, junta uma mão na outra em sinal de oração. Passam alguns minutos e Francisco chega no papamóvel. O povo jubila. “Viva o Papa! Vivaaaaa!”

Pombas místicas

No recinto com tanta gente junta, pelo menos meio milhão, há quem viva momentos místicos. Um homem debaixo de um pinheiro vira-se para trás e exclama: “Estão duas pombas brancas nos ramos. Sempre que estou debaixo de uma árvore acontece isso. Mesmo quando estou em Lisboa.”

Mete as mãos no rosto e solta uma exclamação: “Inacreditável”. Logo de seguida, como se quisesse mesmo partilhar o momento, reforça mais uma vez: “Estão ali em cima, veja, veja”.

A celebração começa, entretanto, e depois de Francisco canonizar os pastorinhos, vive-se um dos momentos de maior entusiasmo entre os fiéis com uma salva de palmas que se repete.

Quando são quase 13h00, três horas depois do início da eucaristia, termina um dos muitos momentos altos do centenário das aparições. O povo começa a sair do santuário. Devagar, como se todos quisessem prolongar o momento.

Maria “será sempre maior”

Luís Matos, de 48 anos, residente em Fátima, diz que não ouviu muito bem o Papa. “Mas não importa, o que importa é que ele está connosco. Esse é o verdadeiro significado: estarmos juntos. Gosto muito dele, é uma pessoa, sentimos que é uma pessoa”, repete.

Junto à Santíssima Trindade, Fernanda Silva, de 49 anos, nunca viu nada assim, “com esta grandeza”. “Hoje fiquei mais atrás, mas tenho de dar os parabéns porque estava tudo muito bem organizado”, diz a peregrina, que veio de Viana do Castelo para “cumprir uma promessa”.

E como será Fátima depois dos 100 anos? “Cada vez maior. Maria trará cada vez mais gente.”

Patrícia Silva, de 41 anos, estava maravilhada com o que tinha acabado de assistir. “Veio aqui reconhecer os milagres de Fátima. É o reconhecimento!”, exclama.

A peregrina garante que são estes momentos que “reforçam a fé”. Reconhece que já teve momentos em que esteve mais afastada da Igreja. “Mas este Papa foi muito importante para que voltasse a estar mais envolvida. Era muito importante para mim ser abençoada por ele”, afiança.

E assim, lentamente, o monumento humano de fé que se juntou em Fátima foi dizendo adeus com os lenços brancos ao Papa e à Virgem Maria. Ou melhor, um “até já”.