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O diretor do serviço de Pedopsiquiatria do D. Estefânia confirma que a pandemia aumentou sobretudo os quadros já existentes de ansiedade e depressão nos adolescentes. Olhando para crianças mais novas, sobram ainda interrogações porque as evidências não apontam para um impacto especial da pandemia na saúde mental infantil nestas idades.
Ouvido no programa “Da Capa à Contracapa”, da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, Pedro Caldeira da Silva admite que as crianças entre os três e os seis anos podem ter sofrido mais face a outras idades.
“Terão sido aquelas que terão sido mais afetadas pela falta de convívio social. Sobretudo porque hoje as famílias são muito pequenas, há poucos irmãos e estas crianças nesta idades não têm acesso às redes sociais. Essas crianças ficaram mais privadas do contacto com os seus pares e terão sido eventualmente prejudicadas”, afirma este pedopsiquiatra que recusa uma “visão catastrofista” desta realidade.
Caldeira da Silva considera que qualquer perda é recuperável num processo natural com o retomar de experiências, tese partilhada pela psicóloga Raquel Queirós Pinto, coordenadora dos projetos de saúde mental infantil na Associação "Encontrar-Se" que faz trabalho de promoção de saúde mental em crianças de zonas menos favorecidas no Grande Porto.
“ A visão que partilho também não é nada catastrofista. Haverá danos que acredito que vamos a tempo de recuperar e portanto provavelmente estamos aqui a falar de um cenário de dificuldades e necessidades que já existiam e que foram reforçadas nesta situação”, sustenta esta psicóloga que lidera os projetos UPA KIDS da associação “Encontrar-se”.
Impactos do médio prazo são “especulações”
O pedopsiquiatra Pedro Caldeira da Silva admite que o maior prejuízo para as crianças do primeiro ciclo provavelmente será apenas escolar.
“Não me parece que seja inultrapassável ou irreparável ou que isso venha a ser um problema”, acrescenta este especialista que, por outro lado, defende que os bebés e as crianças até aos três anos até beneficiaram da pandemia devido a uma convivência prolongada junto dos pais.
“Tiveram uma oportunidade que mais nenhuma outra geração teve em muito tempo. Até aos três anos de idade, as creches ou os locais de guarda das crianças não são uma necessidade delas, mas dos adultos”, sublinha este clínico do Hospital Dona Estefânia em Lisboa.
Olhando para o médio prazo, as sequelas desta pandemia são ainda difíceis de estimar numa população de idade tão tenra, sustenta Pedro Caldeira da Silva lembrando que , do ponto de vista teórico, o ser humano tem grandes capacidades de adaptação, flexibilidade e de “ força interior” para ultrapassar a maior parte das adversidades.
“Há uma especulação sobre se a utilização crónica de máscaras trará algum efeito aos bebés. Penso que não terá, mas há quem diga que sim. Há uma especulação sobre se a diminuição da relação com os pares vai produzir uma geração de crianças com mais dificuldade em resolver conflitos e interagir com os outros. Mas são especulações”, insiste este pedopsiquiatra na Renascença.
A partir da observação do projeto UPA KIDS, a psicóloga Raquel Queirós Pinto sublinha a existência de um largo espectro de reações da comunidade escolar à pandemia nos estabelecimentos onde a associação conduz projetos de promoção de saúde mental infantil.
“Num extremo, encontrámos salas de aula com um clima relacional e emocional marcado por grande serenidade e tranquilidade. Mas também nos deparámos com o outro extremo deste espectro, com salas de aula cujo ambiente era mais marcado por preocupação, alguma ansiedade, alarmismo, vigilância e por isso mais convidativo a desregulação e a maior instabilidade e menor potencial de aprendizagem por parte das crianças”, descreve esta psicóloga da associação “Encontrar-se”.
Repensar a escola
Raquel Queirós Pinto argumenta em contextos de famílias com pouca estrutura, a situação pandémica veio “agravar esse caos”. Por experiência adquirida no terreno, esta responsável da associação “Encontrar-Se” sustenta que nesses cenários a escola é um “contexto de segurança”.
Mais crítico do papel das escolas é o pedopsiquiatra Pedro Caldeira da Silva que começa por ressalvar que “de uma maneira geral”, as famílias conseguiram responder muito bem a esta adversidade. ” Foi uma das coisas boas deste confinamento e desta situação pandémica. Nos estudos que fizemos, os pais reportaram que descobriram muitas coisas novas com os filhos”, complementa o pedopsiquiatra do Hospital de Dona Estefânia em Lisboa que no entanto alerta que a escola e sobretudo a sala de aula também pode ser um problema para a saúde mental das crianças.
“ Quando a escola está aberta, os pedidos de consulta aumentam muito mais. Esta articulação implica repensar a escola, porque os números diminuem quando as escolas fecham. É verdade que a escola é muito boa e os meninos têm que aprender mas é na escola que acontece a maior parte das perturbações de comportamento que curiosamente baixaram drasticamente durante o confinamento. Tem sobretudo a ver com a sala de aula, com as exigências que há na sala de aula e com a dificuldade em gerir esta metodologia de aprendizagem para crianças, sobretudo rapazes. Tenho visto sempre um agravamento nesta matéria e acho que a pandemia até atenuou estes quadros”, afirma o médico pedopsiquiatra Pedro Caldeira da Silva.
O melhor que aconteceu mesmo às crianças acaba por ser o maior debate sobre saúde mental infantil, acrescenta o pedopsiquiatra que também está na direção clínica do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (CADIn). Este especialista espera que a pandemia tenha servido para que o Estado entenda em definitivo que a saúde mental das pessoas começa na infância.
“É urgente equipar todo o país com equipas profissionais e completas, não apenas com pedopsiquiatras, mas também com psicólogos, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, psicomotricistas, enfermeiros de saúde mental. Equipar os vários hospitais e os centros de saúde do país com equipas de saúde mental infantil. Dar às equipas de intervenção precoce na infância com profissionais capazes e habilitados para intervenção direta nas crianças”, insiste Pedro Caldeira da Silva.