Percorrer as ruas estreitas junto à Sé de Setúbal é testemunhar a pobreza e as dificuldades sociais. No coração da cidade do rio Sado, a degradação parece continuar a aumentar, segundo o relato dos setubalenses que nasceram, vivem e trabalham há décadas na cidade.
Numa das ruas principais de acesso à Sé os conflitos são constantes, de acordo com Lisete Santos, que tem nessa rua uma mercearia há 30 anos. À Renascença, conta que são frequentes os desacatos, muitas vezes com recurso a armas brancas.
“Vai de barulho, a porrada, a dentada. É uma zona muito conflituosa. Há droga e prostituição. É uma pena isto acontecer na rua que dá acesso à Sé”, lamenta a comerciante.
A mercearia fica entre as vivendas degradadas que ocupam as ruas em torno da Sé. Há algumas restauradas, mas igualmente esquecidas. Lisete Santos conta que são poucas a pessoas que aguentam ficar ali a viver e a polícia é chamada com frequência.
A setubalense reconhece que Setúbal sempre teve problemas por ser uma cidade pobre. “Já nos anos 50 era uma cidade pobre, depois nos anos 60 ganha alguma indústria, mas pouca. Hoje temos a Autoeuropa, que está como está”, diz.
Lisete Santos soube esta quinta-feira da chegada de D. Américo Aguiar por um dos jornais da cidade e ficou satisfeita.
“Todos os que vierem defender o que está mal serão bem-vindos. Conheço-o da televisão quando foi agora das Jornadas da Juventude. Gostava de o ouvir e do que dizia, pareceu ser um bispo terra-a-terra. Gostava que ele fosse como o D. Manuel Martins, que se preocupou com os pobres de Setúbal, e que desse voz a quem não a tem”, acrescenta.
O silêncio pela falta de turistas junto à Sé é preenchido pela música popular que sai das colunas de uma das casas ocupadas na zona degradada.
Cruzando mais duas ruas, com cenário idêntico, chegamos ao restaurante "Adega dos Garrafões", de Miguel Agostinho, que se instalou ali há 17 anos.
O rosto entristece sempre que fala do que tem acontecido nos últimos anos. “É uma cidade bonita, com boas praias ao longe, mas há muita coisa que está mal”, começa por dizer.
"Estou aqui há 17 anos, mas há uns tempos que a baixa se tem degradado em termos de higiene, segurança e até mesmo trânsito”, lamenta.
Miguel Agostinho espera que a chegada de um novo bispo ajude a população. Sublinha que a cidade do Sado é “muito desafiante”, mas que é preciso “acordar as pessoas para que tenham muita tolerância e sacrifício, porque não é fácil”, diz.
A esperança de que a cidade recupere existe. “Acho possível que ele consiga ajudar junto dos poderes locais e nacionais”, espera Miguel Agostinho, que vê D. Américo Aguiar como uma pessoa ativa e com vontade de trabalhar.
Miguel Agostinho diz que nem sempre é fácil trabalhar naquelas ruas junto à Sé, principalmente ao fim de semana, quando há mais “álcool e gritaria”.
Voltando à praça em frente à Sé, onde está uma estátua de homenagem a D. Manuel Martins, há quem peça que a Sé de Setúbal abra as portas mais vezes e durante mais tempo.
António Almeida e Maria dos Santos, proprietários de um dos cafés no local, dizem que a Sé sempre esteve muito tempo fechada, mas que tem estado cada vez mais.
“Abre apenas para algumas celebrações”, dizem. Esperam que D. Américo Aguiar traga vida para o largo. “Se ele for bom para o largo vai ser bem recebido, espero que tenha a igreja mais tempo aberta.”
Maria acrescenta que, muitas vezes, vê turistas a espreitarem a igreja e a voltar desanimados por encontrá-la fechada. "Faz falta um bispo que contacte mais com as pessoas”, sublinha.
Já António sublinha que é filho de Setúbal e que se sente triste por estar há tanto tempo sem bispo na cidade - quase dois anos. “Temos de ter um que conviva mais com o povo”, apela.
Nas ruas em torno da Sé, por onde a Renascença passou, o abandono contrasta com a vida das ruas junto às docas.
Desde março de 2022 que a Diocese de Setúbal se encontrava em "Sede Vacante", depois de D. José Ornelas ter sido nomeado para Leiria-Fátima.
D. Américo Aguiar é o quarto bispo a passar pela Diocese de Setúbal.