A pedofilia é um crime vergonhoso. Significa uma traição e um abuso intoleráveis de um adulto sobre uma criança.
Há muitos crimes de diversa natureza, mas na pedofilia percebe-se uma perversidade complexa e agravada, pelo facto de se exercer violência sexual sobre uma criança.
O lastro de sofrimento das vítimas de pedofilia é incalculável. E sendo indesculpáveis, pelo mal infligido, os criminosos revelam uma personalidade doentia. Imputáveis, porque conscientes do mal causado, mas profundamente desequilibrados.
Criada pela Igreja para avaliar os abusos sexuais cometidos em cerca de 70 anos, a Comissão Independente divulgou situações sórdidas e práticas negligentes ou desajustadas à proteção dos mais indefesos.
Nada resultou que apontasse para uma situação generalizada, mas uma só criança abusada no seio da Igreja seria suficiente para abalar a consciência de qualquer pessoa, de qualquer cristão, de qualquer sacerdote, de qualquer bispo.
A Igreja, a começar pelo Papa, definiu uma orientação de tolerância zero para os crimes de pedofilia. Uma orientação que, na medida do razoável, possa reparar o passado e consiga prevenir o futuro.
A purificação da Igreja é importante para a sociedade portuguesa, mesmo que esta tantas vezes desconheça ou queira ignorar os contributos que dela recebe. Mas se tal purificação - cabal e frontal - é relevante para sociedade, ela será essencial para todos os católicos, qualquer que seja a sua condição.
Como habitualmente, há quem aproveite para misturar outros temas, num assunto demasiado sério.
Uns deixam vir ao de cima o preconceito (anti)religioso, como se a Igreja fosse um mar de pecados e não uma bênção - espiritual e material - na vida de tantas pessoas, também elas desprotegidas em quase tudo e por quase todos.
Outros desfraldam a bandeira contra o celibato dos padres, como se o regime celibatário constituísse causa explicativa destes crimes repugnantes. Se assim fosse, por absurdo e pela mesma ordem de ideias, seria indispensável abolir a família, uma vez que a maior parte dos abusos sexuais ocorre, infelizmente, no ambiente familiar.
Outros ainda sustentam que, em vez de se apontar o dedo à Igreja, deveria olhar-se para o resto da sociedade onde o panorama dos abusos será porventura pior. Provavelmente assim é e muito haverá a fazer; mas tal não isenta a Igreja da sua própria responsabilidade.
No meio do debate ou da sua instrumentalização, importa não divergir.
Gostando-se mais ou apreciando-se menos a decisão de constituir uma Comissão, a sua composição ou até os métodos de apresentação das conclusões, ninguém pode ficar indiferente às vítimas e ao seu sofrimento.
Ninguém pode negar a necessidade de reparação ou do apoio possível.
Ninguém deve furtar-se ao encontro pessoal e reparador com as vítimas que assim o desejarem.
Ninguém pode negar que houve casos de indiscutível e deliberado encobrimento.
Ninguém pode manter em funções quem abusa ou abusou de crianças.
Ninguém pode negligenciar novas regras e outras práticas, públicas e confiáveis.
E também ninguém pode pretender que estes criminosos, como quaisquer outros autores de crimes, sejam tratados sem justiça nem equidade.
Na Quaresma que agora se inicia e refletindo no tema da pedofilia, temos pela frente um enorme desafio, que a todos envolve e a todos se aplica. Como levar à prática as palavras de Jesus, que a Igreja e os cristãos já escutaram e rezaram vezes sem conta: “Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu” (Mt 5,20).