"Confrontação interna ou intervenção externa" não podem acontecer na Venezuela, diz Augusto Santos Silva
31-01-2019 - 00:51
 • Graça Franco (Renascença) e Bárbara Reis (Público)

Em entrevista à Renascença e ao jornal "Público", o ministro dos Negócios Estrangeiros promete que, na crise venezuelana, o Governo vai "agir de forma a que os interesses do milhão de cidadãos que têm nacionalidade europeia e vivem na Venezuela sejam respeitados".

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Há duas coisas que não podem acontecer na Venezuela: "confrontação interna ou intervenção externa", afirma o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e "Público".

Há um ultimato a Nicolás Maduro em que Portugal participa para que anuncie eleições livres até domingo. Se na segunda-feira não existir essa posição de Maduro, o que é que pode acontecer?

O que está determinado nesse ultimato: reconhecemos o presidente da Assembleia Nacional como a única entidade com a legitimidade e a autoridade e a capacidade na Venezuela de iniciar um processo de convocação de eleições.

Quais são as implicações práticas desse reconhecimento? Portugal vai deixar de falar com o embaixador da Venezuela em Lisboa que foi nomeado por Maduro?

As relações internacionais têm a ver com questões de Direito e têm de estar atentas às questões de facto. Nós, europeus, e os americanos também, temos contactos com as autoridades venezuelanas, quer com a Assembleia Nacional, mas também com o governo. Não temos ao nível político, temos ao nível diplomático porque há uma situação de facto.

Das três coisas de que uma autoridade legítima precisa — reconhecimento internacional, apoio popular e controlo do aparelho de segurança — do nosso ponto de vista, Nicolás Maduro não tem as duas primeiras. Quanto à terceira, formalmente tem-no. Portanto, o Presidente Guaidó, que tem o apoio popular e o nosso reconhecimento como autoridade legítima formada por eleições livres, não tem ainda o controlo do aparelho de segurança. Se há um luso-venezuelano que foi detido pelas forças de segurança venezuelanas, a nossa embaixada em Caracas está a dar a proteção a essa pessoa estando em contacto com as autoridades que, neste caso, não é o senhor Guaidó, é o governo de Maduro.

Segunda-feira de manhã os países da UE deixam de falar com os embaixadores venezuelanos nas capitais?

A implicação prática, em primeiro lugar, é que o senhor Guaidó passa a ser reconhecido como Presidente legítimo pela maioria dos países latino-americanos e também pela União Europeia. Essa é uma implicação política da maior importância.

Para isolar Maduro, percebe-se o objetivo. Mas estamos a tentar perceber as implicações práticas: vão expulsar os embaixadores de Maduro?

Vamos agir de forma a que os interesses do milhão de cidadãos que têm nacionalidade europeia e vivem na Venezuela sejam respeitados e que esta contradição entre a situação de facto e a situação legal, jurídica, possa ser gerida da melhor maneira possível.

Há um risco de guerra civil?

Esperemos que não, porque isso seria a pior das soluções. Nós, os europeus, estamos a seguir este caminho com esta cadência porque no nosso espírito é claro que há duas coisas que não podem acontecer na Venezuela: confrontação interna ou intervenção externa. Fazemos o que podemos do ponto de vista político-diplomático e também do ponto de vista das sanções económicas de forma a favorecer uma transição pacífica evitando estes dois riscos.

Está contra a posição da administração Trump que assume que "todas as hipóteses estão em cima da mesa"?

O ponto de vista europeu é distinto do ponto de vista americano porque nós entendemos que o caminho para a transição pacífica deve evitar intervenção externa e confrontação interna.

Vai levar propostas para Bucareste sobre a Venezuela?

Sim. A principal é criar o grupo de contacto internacional que Portugal, a Espanha e mais recentemente a Itália, a Holanda e a França têm acarinhado como uma ideia da alta representante que deve ser levada à prática. Naturalmente que agora o grupo de contacto internacional já não é para facilitar o diálogo entre as partes na Venezuela — as coisas entretanto aceleraram — mas é um grupo que me parece muito importante para acompanhar e dar força ao processo de transição pacífica na Venezuela.

Imaginemos que na segunda-feira não há transição pacífica e há guerra civil. Está prevista alguma operação para apoiar os portugueses que lá estão?

Não imagino situações dessas. O Estado português está preparado para qualquer situação. Como sempre tenho dito, em qualquer país no qual haja uma comunidade significativa de portugueses, nós temos preparados planos de apoio excecionais que ativamos quando são necessários.

Não divulgo as medidas do plano de contingência a não ser à comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros à porta fechada — já o fiz em relação à Venezuela. O que posso dizer é que neste processo eleitoral na República Democrática do Congo, demos um passo no que diz respeito à possível ativação de um plano de contingência, mas como as coisas correram bem, já o desativámos. O melhor apoio que podemos prestar à comunidade portuguesa e lusodescendente que vive na Venezuela é apoiar a transição pacífica. As pessoas não querem sair da Venezuela. As pessoas querem que a Venezuela saia do impasse político em que está metida.