Lobo Antunes deixa de escrever na Visão, processa a revista e acusa direção de “prepotência”
28-03-2019 - 17:11
 • Tiago Palma

Ao fim de 19 anos de crónicas, o escritor abandona a "Visão" indignado; acusa direção de ter usado a sua imagem "sem autorização" numa publicidade a "sacolas" e exige "centenas de milhares de euros” em indemnização, que promete entregar ao serviço de oncologia do Hospital de Santa Maria.

A última crónica de António Lobo Antunes na Visão foi publicada a 21 de fevereiro. Nas últimas edições, o espaço que há 19 anos era ocupado pelo escritor de 76 anos é agora lugar das crónicas da também escritora Dulce Maria Cardoso. Não houve, porém, qualquer anúncio ou explicação quanto à ausência de crónicas suas na revista do grupo Trust in News.

Esta quinta-feira, em entrevista à Sábado, António Lobo Antunes confirma a saída definitiva da Visão e esclarece as razões do afastamento – que aconteceu por sua vontade: “Resolvi romper o vínculo com eles”.

Segundo Lobo Antunes, “passaram-se coisas de que não gostei”, acrescentando que a relação com a direção “não era agradável”.

As “coisas” a que se refere Lobo Antunes “foram acontecendo ao longo do tempo”. Primeiro foram as ilustrações às suas crónicas. “Não gostava dos bonecos que acompanhavam as crónicas, achava que eram muito fraquinhos e pedi para mudarem. Disseram que não, porque ia encarecer.” Depois, surgiu uma conversa para que foi (por interposta imprensa) convocado, mas não convidado. “Há cerca de um ano, vi nos jornais que ia participar com o Zé [José Tolentino Mendonça] numa conversa promovida pela Visão. Não me tinham dito nada nem pedido autorização. Evidentemente disse que não ia. Nem sequer me pediram desculpa.”

A gota de água e o fim abrupto da ligação que durou duas décadas à Visão deu-se quando a sua imagem, diz, foi utilizada de forma “indevida” e "acintosa” numa campanha publicitária – o escritor refere-a como “o episódio das sacolas” – da revista.

E explica: “Um dia apareceram-me com a tal sacola, que tinha estampada uma frase qualquer tirada de uma crónica e assinada por mim. Depois vim a saber que era uma campanha de promoção da revista. Queriam que eu tirasse uma fotografia para essa campanha, eu disse que não tirava fotografia nenhuma e não aceitava. Mas fizeram. Achei isto intolerável. Fizeram uma montagem de uma fotografia em que me põem com o saquinho ao ombro e a dizer ‘o António não-sei-o-quê’. Isto é profundamente ilegal’”, recorda.

Lobo Antunes fala em “falta de respeito” e “prepotência absoluta” por parte da Visão. “É evidente que eu não ia participar em nenhuma campanha de publicidade. Nunca o fiz na minha vida”, explica.

O escritor promete agora processar a revista, exigindo uma indemnização de “umas boas centenas de milhares de euros”. O dinheiro, contudo, será entregue ao serviço de oncologia do Hospital de Santa Maria. “Vai fazer muito jeito aos doentes. Não ficarei com um tostão. O dinheiro será entregue religiosamente. Só quero que estes senhores aprendam a lição, nomeadamente esta diretora [Mafalda Anjos].”

Na entrevista à Sábado, uma entrevista em que António Lobo Antunes dedica largas respostas à saída da Visão, é perguntado ao escritor se sentirá falta de escrever crónicas. “Não. Nenhuma. Não me dá prazer nenhum, é um sacrifício muito grande”, respondeu.

Visão desmente escritor e acusa-o de “cansaço e acidez”

A direção da Visão reagiu, na tarde desta quinta-feira, à entrevista de António Lobos Antunes à Sábado, garantindo que o escritor sempre foi tratado “com especial deferência e zelo” e que a utilização da sua imagem na referida campanha de publicidade foi “obviamente autorizada” por si, sabendo Lobo Antunes desta “desde outubro”.

“Naturalmente, de forma alguma ocorreria a uma revista de referência como a Visão utilizar a imagem e frase de António Lobo Antunes sem a sua prévia autorização”, refere-se.

A direção da Visão não acredita, e refere-o, que o processo motivo pelo escritor se relacione com “má fé” ou uma “tentativa de extorsão” por parte deste, atribuindo-o, sim, a uma espécie de “cansaço” que sentiam, desde há muito, no escritor, nomeadamente nas crónicas que assinava.

“Mesmo os génios, ou sobretudo eles, têm o direito a tropeçar. Mas o cansaço e acidez que Lobo Antunes acusava nos últimos tempos tornou-se indisfarçável nas suas crónicas, que o próprio apelidava, no espaço de liberdade absoluta que sempre lhe foi concedido na Visão, de ‘medíocres’ e que confessava só escrever ‘por dinheiro’. Esta saturação tornou-se evidente para todos, e sobretudo para os leitores, que de forma crescente o fizeram notar”, lembra a Visão.

Pese embora lamente os “danos elevados que [António Lobo Antunes] causou”, a direção da revista Visão termina desejando “os mais sinceros votos de felicidades” a António Lobo Antunes nesta "nova etapa" da sua vida. Que etapa? “Em que se liberta finalmente do ‘fardo’ das crónicas que escrevia, para se dedicar apenas à literatura. Concentremo-nos por ora nas boas memórias e na admiração que temos pela obra e pelo escritor, esqueçamos os tropeços do homem.”