Todos estão de acordo com os princípios. Quando se debate a necessidade de os cidadãos serem mais ouvidos na construção europeia, os representantes da Comissão, Conselho e Parlamento Europeus acenam positivamente e alguns vão mesmo reclamando alguns louros. No final do encontro de auscultação sobre a implementação dos resultados da Conferência sobre o Futuro da Europa, realizado esta semana em Bruxelas, a comissária europeia para a Democracia e Demografia, Dubravka Šuica , assinalou que 80 % das propostas apresentadas pelos cidadãos estão vertidas no programa de trabalho da Comissão Europeia para 2023.
"Em tempos sem precedentes , precisamos de mais democracia. Temos agora a democracia deliberativa como parte integrante do nosso processo de formulação de políticas. Teremos um painel de cidadãos no dia 16 a discutir o desperdício alimentar, depois nas matérias de mobilidade na aprendizagem e depois ainda em digital e metaverso", anunciou a Comissária e Co-Presidente do Comité Executivo da Conferência, dando exemplos da introdução de painéis de cidadãos no seu processo de elaboração de políticas .
O Parlamento Europeu, que acolheu o evento no seu hemiciclo, quer ir mais longe. Muitas das 49 propostas dos cidadãos, expressas em mais de 300 medidas, podem implicar a revisão dos tratados da União Europeia (UE) e os eurodeputados aprovaram em Julho uma resolução no sentido da abertura de um processo de Convenção que, ao juntar todos os actores políticos e institucionais europeus, prepararia uma proposta de revisão dos tratados.
O liberal Guy Verhsofstadt, designado pelo Parlamento Europeu para o cargo de co-presidente do Comité Executivo da Conferência sobre o Futuro da Europa, defende que muito já foi feito para implementar as conclusões da Conferência , como no caso das alterações climáticas e políticas sociais. "Mas nas áreas da segurança, defesa e política externa, educação e energia , há falta de progresso na implementação das conclusões. Isso é um reflexo dos problemas que temos ao nível institucional", avisa Verhofstadt, acérrimo defensor da revisão de tratados.
Pressão sobre o Conselho da União Europeia
As pressões neste domínio dirigem-se para os governos nacionais e para a posição do Conselho. O Ministro checo dos Negócios Estrangeiros, MIkulas Bek, atira decisões para as próximas presidências rotativas do Conselho, nomeadamente para a primavera de 2023. " Há uma unanimidade no Conselho de que devemos esperar pelas propostas do comité de assuntos constitucionais do Parlamento Europeu", declarou o chefe da diplomacia checa, reconhecendo que não há uma "visão unificada" sobre as mudanças nos tratados e a prevalência das decisões por maioria qualificada.
A necessidade de unanimidades tem causado atritos nos Conselhos Europeus em matérias como defesa ou recentemente nas sanções à Rússia. Os agitados contextos de guerra e de estagnação económica num período pós-pandemia são usados como pretexto para não colocar o tema mais alto na agenda dos líderes europeus. No discurso do Estado da União, em Setembro, Ursula Von Der Leyen defendeu a abertura de uma Convenção para rever os Tratados.
"O progresso que temos tido nas alterações climáticas e políticas sociais é um bom sinal dirigido aos cidadãos de que conseguimos fazer progressos mesmo no contexto dos actuais tratados. Acreditamos que ainda vamos fazer progressos na nossa presidência e no próximo ano nas presidência sueca e espanhola", afirmou Bek no evento de "feedback" da Conferência sobre o Futuro da Europa", onde representou a co-presidência do Comité Executivo que cabe ao Conselho da União Europeia.
Do lado do Parlamento Europeu, Guy Verhosfstadt espera que a próxima legislatura , que arranca com as eleições europeias de 2024, possa consolidar a participação permanente dos cidadãos na União Europeia. "Isto tem que ser uma prática comum na UE". A necessidade de prestar contas sobre a implementação dos resultados da Conferência implica "comunicar melhor o que estamos a fazer desde o fim da iniciativa", complementa o eurodeputado liberal.
Comunicação e políticas
A comunicação é a área de excelência do vice-presidente da Comissão Europeia para a Promoção do Modo de Vida Europeu. Ex-porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas centrou a sua intervenção final no evento de Bruxelas nas dificuldades em explicar a Europa aos cidadãos que, na opinião do comissário grego, tem a inexistência de uma opinião pública europeia como causa.
"Todas as noites vamos ver o que se passa nos nossos países. Só na noite da Eurovision e da final da Liga dos Campeões é que emerge a opinião pública europeia. Precisamos de levar o debate das nossas salas de imprensa e dos nossos edifícios em Bruxelas para onde as pessoas estão, onde vivem os seus problemas e onde as nossas políticas fazem sentido", reconheceu Schinas que apelidou a comunicação instituional europeia de "rígida, técnica e seca".
Shinas defende a necessidade de "usar mais as emoções" quando se discute a Europa, apelando a um discurso que venha não apenas do cérebro, mas também cada vez mais do coração.
" Temos que ter abordagens mais personalizadas e mais emotivas. Precisamos de mais simplificação das nossas posições, mais pedagogia. A boa política leva a boa comunicação. Mas uma boa comunicação nunca pode substituir uma má política", rematou o vice-presidente da Comissão Europeia.