Reforma da Segurança Social. “Faz-se de conta que não há problema”
20-09-2015 - 12:58
 • José Bastos

“Políticos e cidadãos preferem enterrar a cabeça na areia”, diz Álvaro Santos Almeida. “É preciso equilibrar distribuição de riqueza”, nota Carvalho da Silva no programa "Conversas Cruzadas" da Renascença.

O eventual corte de 600 milhões, previsto no Programa de Estabilidade, é possível sem tocar nas pensões actuais?

Se não é permitido cortar nas pensões em pagamento a sustentabilidade da Segurança Social terá de passar pela redução das pensões futuras?

A sugestão do PS de redução temporária da TSU visa também reformar Segurança Social ou apenas estimular consumo?

A sugestão da coligação de plafonamento para as gerações mais novas terá efeitos imediatos?

Uma proposta de corte de 250 milhões por ano nas pensões não contributivas deve ser explicada ao pormenor antes de eleições?

Não há respostas objectivas a estas questões porque a discussão profunda do futuro da Segurança Social está ausente da campanha numa estranha, mas entendível, aliança políticos/cidadãos, defende Álvaro Santos Almeida, no programa “Conversas Cruzadas” da Renascença.

“As poucas vezes em que o tema foi aqui debatido no programa foram as vezes em que nas caixas de comentários eu fui mais insultado. Concluo facilmente, como qualquer político deve concluir, que as pessoas não querem debater o tema”, afirma o economista.

“Preferem enterrar a cabeça na areia e fazer de conta que o problema não existe. Seria um suicídio político debater com profundidade a questão. Percebo que nenhum dos principais partidos queira debater a questão, porque as pessoas preferem fazer de conta que não há um problema”, sustenta Álvaro Santos Almeida.

Mário Centeno e a “pergunta de mil milhões”

No debate das rádios, na quinta-feira, António Costa não detalhou como pretende poupar nas prestações sociais que não carecem de condição de recursos – são atribuídas sem prova de necessidade.

A já chamada “pergunta dos mil milhões” ganhou relevância e aparece sinalizada como o momento da campanha em que o líder do PS mostrou maior vulnerabilidade.

“A pergunta é que não foi debatida. Como também não foi debatido o corte dos 600 milhões. A questão foi falada, mas não debatida. Não é debatida porque ninguém quer cometer o suicídio político de dizer ao eleitorado – o que o povo também não quer ouvir – da necessidade de fazer reformas profundas”, diz Álvaro Santos Almeida.

“Reformas que vão implicar mais custos ou menores benefícios. Por isso é que António Costa não quis, ou não soube, detalhar as medidas, porque ao fazê-lo teria de dizer ‘vou cortar aqui e acolá’ e iria ser crucificado por o ter referido”, sustenta o professor de economia da Universidade do Porto.

Tanto assim que o PS veio posteriormente esclarecer que a escolha das prestações não contributivas a cortar será feita em sede de Concertação Social. Mário Centeno o responsável pelo estudo macroeconómico socialista, na sexta-feira, reafirmou a posição à Renascença.

Álvaro Santos Almeida afirma que o coordenador do estudo é pouco claro. “Não acho que tenhamos aqui sugestão alguma. Mário Centeno continua a não apresentar propostas concretas. Fala aqui, à Renascença, de um valor de 250 milhões de euros, mas há um aspecto que, do ponto de vista intelectual, me confunde”, indica o economista.

“Como é que Mário Centeno sabe que vai poupar 250 milhões de euros se não sabe onde? Não é possível dizer ‘vou poupar 250 milhões’ se ainda vou falar com a Concertação Social para definir onde”, concretiza.

“Não é possível ter um modelo económico coerente se não sabemos onde obter as poupanças. É um problema mais técnico e de ordem intelectual de construção do modelo”, refere Álvaro Santos Almeida.

Carvalho da Silva: “PS quer muleta na Concertação”

Manuel Carvalho da Silva avalia o desenho em tons pouco definidos da polémica. “O PS empurra para a Concertação Social para arranjar uma muleta que impeça aparecer aos portugueses com a responsabilidade da medida”, afirma o sociólogo.

“Já Passos Coelho desafia António Costa a um acordo numa tentativa de não ter de explicar o corte dos 650 milhões e ver se arranja, desde já, o compromisso. O que do ponto de vista político é uma jogada interessante”, prossegue Carvalho da Silva.

“O debate profundo sobre o futuro da Segurança Social que devíamos exigir nesta campanha tem de começar, em primeiro lugar, por discutir como se sustenta a sua base”.

“Ou seja, como se cria emprego, reduz o desemprego, como se valoriza os salários e a que caminhos se pode recorrer para novas receitas. Se é pelo valor acrescentado, se é por outras vias, mas não desarmando a base de compromisso. Fazê-lo é um perigo incrível para o futuro do sistema de segurança social”, alerta o professor da Universidade de Coimbra.

“Quando se discute a criação de riqueza em simultâneo deve ser discutido o compromisso da sua distribuição. Não há aqui dois momentos, o primeiro e o segundo. Tanto mais que há aquele perigo: o dinheiro cola-se tanto às mãos que se uns lhe deitarem as mãos já dificilmente de lá sai”, diz Manuel Carvalho da Silva.

“Vamos à discussão séria da Segurança Social que implica analisar e debater as políticas de emprego, a situação de desemprego e os salários”.

“Se continuar a haver uma taxa elevada de desemprego o nosso drama é que as receitas da segurança Social baixam. O mesmo se os salários baixarem”, alerta.

“Já agora, tenhamos em conta qual é a situação do país: mais de 50% dos trabalhadores portugueses ganha menos de 8 mil euros por ano. Repito: 8 mil euros/ano”, sublinha o sociólogo.

“E o grupo dos que ganham até ao limite do salário mínimo já ultrapassou os 20%. São factores que afundam as receitas. É preciso uma distribuição da riqueza muito mais equilibrada”, defende Manuel Carvalho da Silva.

Álvaro Almeida: “Tirar a pobres para dar a ricos?”

Álvaro Santos Almeida retoma a análise à entrevista de Mário Centeno à Renascença. “No plano político, faz o previsível: volta a não concretizar onde cortar”.

“Há uma afirmação que não sei se tem o significado que Mário Centeno pretenderia quando diz ‘são só 4,7%’. Cortar 4,7% num RSI, rendimento social de inserção, por exemplo, é de um impacto enorme”, afirma o economista.

“Significa que famílias inteiras podem ficar sem subsistência. É um impacto social profundo. Na lógica da distribuição do rendimento - que o Prof. Carvalho da Silva citava e bem – é uma inversão de valores, é tirar aos pobres para dar ricos”, sustenta Álvaro Santos Almeida.

“O que estamos a dizer é ‘a segurança social tem problemas e o que vamos fazer é cortar nos mais pobres?’ Porque a parte não-contributiva é para os mais pobres”, conclui.