O investigador do Instituto Superior Técnico, Carlos Oliveira Cruz, defende que o problema de base no planeamento da mobilidade está na "fragmentação das responsabilidades" e "desarticulação" entre os diferentes responsáveis pelos transportes que utilizamos.
No entanto, o especialista em infraestruturas de transportes acredita que foram dados "alguns passos no sentido certo, nos últimos anos", especialmente no Porto. "A STCP, por exemplo, que estava sob a responsabilidade da administração central, foi descentralizada. Toda a responsabilidade do desenho dos transportes públicos na Área Metropolitana do Porto também foi descentralizada", explica.
Apesar disso, o problema de base persiste e está nos sistemas de grande capacidade, como a "gestão rodoviária, ferroviária" a até na Metro do Porto, tudo sistemas que "continuam centralizados na administração central ou em empresas públicas" e que criam dificuldades de "alinhamento".
O problema não está, entende o especialista, nos municípios, que estão, inclusive, "a esgotar as suas balas de prata", pois têm "reforçado serviços de autocarro" a apostado nas interfaces, mas estão "a perder a sua capacidade de atuação".
"Precisamos de introduzir mecanismos que garantam que os municípios conseguem influenciar e articular as políticas de transporte que estão a ser tomadas a nível da administração central", assegura, dando o exemplo "paradigmático" da Metro do Porto, um "caso de sucesso" e "exemplo de livro do que pode representar uma boa articulação entre municípios".
Para o professor catedrático, a estratégia de expansão da Metro do Porto - rede que "precisa e tem vindo a ser expandida", é um dos "melhores exemplos em Portugal de investimento em infraestrutura de grande capacidade".
"A estratégia é adequada e é necessário continuar com a expansão", assegura o especialista, que vê com bons olhos a Linha Rosa e o Metrobus.
Baixar os preços dos transportes públicos "agravou o problema"
O grande problema surge, explica, porque atuamos primeiro "no ponto de vista económico", baixando os preços. "O problema está em que estamos a melhorar a acessibilidade económica sem melhoria na acessibilidade física".
Ou seja, os governos atuaram no preço, mas não na capacidade. Resultado? "Os comboios circulam cheios, as estações estão cheias e isso, para o sistema, é terrível", porque torna pior a qualidade do serviço e a "experiência do utilizador". "Baixar os preços agravou o problema", diz.
"A ordem devia ter sido a contrária", defende. "Sou favorável à melhoria da acessibilidade económica, mas devíamos ter começado pelo reforço da acessibilidade física. Mais autocarros, mais carruagens... Quando tívessemos capacidade baixávamos o preço para induzirmos maior procura", explana.
Com preços mais baixos mas sem resposta adequada o efeito pode ser contrário: criamos um "sistema congestionado". E "não atraímos mais pessoas para o sistema, mesmo com tarifas mais baixas, se o sistema depois não der respostas", admite.
Como resolver? Há uma má notícia: "o aumento das capacidades demora muito mais tempo que baixar o preço". Mesmo assim, "os municípios estão a fazer um esforço muito grande nos autocarros para melhorarem os seus serviços" desde 2015, altura em que passaram a ter essa responsabilidade.
Tirar os carros da rua é possível? "Tem de ser"
"Quando se descentralizaram os transportes públicos rodoviários, os municípios responderam de forma muito positiva. Estão a ter mais autocarros e mais limpos, embora ainda haja margem para melhorar. Agora, temos é de ter a mesma estratégia do lado que o Estado está a gerir", defende, apontando o alvo à ferrovia.
Feitas as contas, o problema da mobilidade "numa área como a AMP" implica "melhorar os sistemas de grande capacidade", porque os autocarros não chegam para tudo. Implica, igualmente, fazer escolhas quanto ao espaço dado aos automóveis. "Outra coisa que podemos melhorar é a criação de corredores Bus dedicados que permitam aumentar a velocidade dos autocarros, mas isso retira espaço ao automóvel... e isso é uma escolha", vaticina.
Tirar os carros da rua é possível? "Tem de ser", diz Carlos Oliveira Cruz, que defende que, para conseguirmos resultados, "precisamos de atuar em todas as alavancas", sendo que a restrição do transporte individual também passa pela solução: com mais "regulação do estacionamento" mas também com a "proposta provocadora" de "cobrar portagem nos grandes eixos".
"Estamos a privilegiar o acesso de automóvel", lamenta o especialista, que quer substituir a existência de praças de portagem e pórticos por sistemas de cobrança "via satélite" que permitam que "os veículos paguem pelo circuito que fazem".
"Precisamos de eliminar os pórticos e introduzir um sistema inteligente para taxar quem usa estradas sem sentido. E isto não é esotérico: temos empresas portuguesas a montar sistemas desses na Holanda", refere. "Mas isso vai implicar um alinhamento de estratégia e uma discussão entre todos", reforça.