Mobilidade. "Os municípios estão a esgotar as suas balas de prata"
15-10-2024 - 11:09
 • Daniela Espírito Santo

Especialista em infraestruturas de transportes defende que os municípios fizeram um bom trabalho no que lhes compete, os autocarros, mas que os sistemas de grande capacidade não estão a conseguir dar a resposta necessária aos problemas de mobilidade existentes.

O investigador do Instituto Superior Técnico, Carlos Oliveira Cruz, defende que o problema de base no planeamento da mobilidade está na "fragmentação das responsabilidades" e "desarticulação" entre os diferentes responsáveis pelos transportes que utilizamos.

No entanto, o especialista em infraestruturas de transportes acredita que foram dados "alguns passos no sentido certo, nos últimos anos", especialmente no Porto. "A STCP, por exemplo, que estava sob a responsabilidade da administração central, foi descentralizada. Toda a responsabilidade do desenho dos transportes públicos na Área Metropolitana do Porto também foi descentralizada", explica.

Apesar disso, o problema de base persiste e está nos sistemas de grande capacidade, como a "gestão rodoviária, ferroviária" a até na Metro do Porto, tudo sistemas que "continuam centralizados na administração central ou em empresas públicas" e que criam dificuldades de "alinhamento".

O problema não está, entende o especialista, nos municípios, que estão, inclusive, "a esgotar as suas balas de prata", pois têm "reforçado serviços de autocarro" a apostado nas interfaces, mas estão "a perder a sua capacidade de atuação".

"Precisamos de introduzir mecanismos que garantam que os municípios conseguem influenciar e articular as políticas de transporte que estão a ser tomadas a nível da administração central", assegura, dando o exemplo "paradigmático" da Metro do Porto, um "caso de sucesso" e "exemplo de livro do que pode representar uma boa articulação entre municípios".

Para o professor catedrático, a estratégia de expansão da Metro do Porto - rede que "precisa e tem vindo a ser expandida", é um dos "melhores exemplos em Portugal de investimento em infraestrutura de grande capacidade".

"A estratégia é adequada e é necessário continuar com a expansão", assegura o especialista, que vê com bons olhos a Linha Rosa e o Metrobus.

Baixar os preços dos transportes públicos "agravou o problema"

O grande problema surge, explica, porque atuamos primeiro "no ponto de vista económico", baixando os preços. "O problema está em que estamos a melhorar a acessibilidade económica sem melhoria na acessibilidade física".

Ou seja, os governos atuaram no preço, mas não na capacidade. Resultado? "Os comboios circulam cheios, as estações estão cheias e isso, para o sistema, é terrível", porque torna pior a qualidade do serviço e a "experiência do utilizador". "Baixar os preços agravou o problema", diz.

"A ordem devia ter sido a contrária", defende. "Sou favorável à melhoria da acessibilidade económica, mas devíamos ter começado pelo reforço da acessibilidade física. Mais autocarros, mais carruagens... Quando tívessemos capacidade baixávamos o preço para induzirmos maior procura", explana.

Com preços mais baixos mas sem resposta adequada o efeito pode ser contrário: criamos um "sistema congestionado". E "não atraímos mais pessoas para o sistema, mesmo com tarifas mais baixas, se o sistema depois não der respostas", admite.

Como resolver? Há uma má notícia: "o aumento das capacidades demora muito mais tempo que baixar o preço". Mesmo assim, "os municípios estão a fazer um esforço muito grande nos autocarros para melhorarem os seus serviços" desde 2015, altura em que passaram a ter essa responsabilidade.

Tirar os carros da rua é possível? "Tem de ser"

"Quando se descentralizaram os transportes públicos rodoviários, os municípios responderam de forma muito positiva. Estão a ter mais autocarros e mais limpos, embora ainda haja margem para melhorar. Agora, temos é de ter a mesma estratégia do lado que o Estado está a gerir", defende, apontando o alvo à ferrovia.

Feitas as contas, o problema da mobilidade "numa área como a AMP" implica "melhorar os sistemas de grande capacidade", porque os autocarros não chegam para tudo. Implica, igualmente, fazer escolhas quanto ao espaço dado aos automóveis. "Outra coisa que podemos melhorar é a criação de corredores Bus dedicados que permitam aumentar a velocidade dos autocarros, mas isso retira espaço ao automóvel... e isso é uma escolha", vaticina.

Tirar os carros da rua é possível? "Tem de ser", diz Carlos Oliveira Cruz, que defende que, para conseguirmos resultados, "precisamos de atuar em todas as alavancas", sendo que a restrição do transporte individual também passa pela solução: com mais "regulação do estacionamento" mas também com a "proposta provocadora" de "cobrar portagem nos grandes eixos".

"Estamos a privilegiar o acesso de automóvel", lamenta o especialista, que quer substituir a existência de praças de portagem e pórticos por sistemas de cobrança "via satélite" que permitam que "os veículos paguem pelo circuito que fazem".

"Precisamos de eliminar os pórticos e introduzir um sistema inteligente para taxar quem usa estradas sem sentido. E isto não é esotérico: temos empresas portuguesas a montar sistemas desses na Holanda", refere. "Mas isso vai implicar um alinhamento de estratégia e uma discussão entre todos", reforça.