A luta contra a pandemia e a transição energética são medidas necessárias, que aumentarão o desemprego. Portugal tem limites no dinheiro público que poderá gastar em apoios sociais.
Por isso, importa ser eficaz, o que implica colaboração com o setor social que está no terreno e que conhece melhor quem realmente necessita de ajuda, do que os políticos e os funcionários públicos. Há quem, por ideologia, não goste dessa colaboração; só que a ideologia não mata a fome.
O agravamento da pandemia, que levou ao atual confinamento, tem custos enormes para as famílias e para as empresas. O Governo anunciou apoios, mas serão provavelmente insuficientes.
O fundo de recuperação lançado pela UE tarda a chegar, pois tem que ser ratificado pelos parlamentos dos 27 Estados membros. Ainda sabemos muito pouco sobre onde e como será despendida essa “bazuca” em Portugal. E nada sabemos sobre quando poderá ser considerada extinta a pandemia.
Na semana passada pela primeira vez o Estado português emitiu dívida a dez anos com juros negativos. É bom que isso tenha acontecido, mas nada garante quanto ao futuro.
Temos uma grande dívida pública, que o país terá de ir pagando ao longo de muitos anos; se os mercados sentirem que o Estado português não honrará os seus compromissos de crédito, por exemplo, por causa de uma crise política, cortam-nos a torneira dos empréstimos e ficaremos à beira da bancarrota. Daí que seja indispensável prudência nos gastos para compensar os prejuízos provocados pela Covid-19, apesar de a UE ter suspendido (e bem) o cumprimento das regras orçamentais do euro.
E é necessário escolher com critério as prioridades das ajudas sociais. “Já perdemos cerca de 200 mil empregos (...) e receio que este número dobre”, afirmou António Saraiva, presidente da CIP. Já há demasiada gente em Portugal a passar fome, o que não é tolerável.
Acontece que o crescente desemprego não será apenas consequência da pandemia. Também a anunciada transição para uma economia “verde” terá, e já tem, pesados custos sociais. A transição para uma energia que não aumente a quantidade de carbono emitido para a atmosfera é necessária, sem dúvida. Mas os custos sociais da mudança não devem ser menorizados ou esquecidos.
A refinaria da Galp em Matosinhos encerrou a sua atividade. O mesmo está a acontecer com a central termoelétrica a carvão, da EDP, em Sines, como já tinha sido anunciado há meses. Mas os trabalhadores da refinaria de Matosinhos souberam da notícia – que colocará no desemprego a maioria deles – pela comunicação social. A administração da empresa só depois de o facto estar consumado se dignou falar com os trabalhadores, o que revela insensibilidade social.
Decerto que não deve ser travada a modernização da economia nacional. Imagine-se o que teria acontecido se, no princípio do séc. XX, os cocheiros e os ferradores de cavalos tivessem impedido a transição para o automóvel, para defenderem os seus postos de trabalho. Mas o Estado social, que hoje Portugal reclama ser, terá de tomar a iniciativa de antecipar as mudanças socialmente dolorosas que a modernização implica. Vivemos no séc. XXI.
Como país que não é rico e que não tem visto a sua riqueza crescer a ritmo semelhante ao de outros países da UE, Portugal tem infelizmente limites no volume de apoios sociais que o Estado poderá atribuir. Importa, então, atribuí-los com a maior justiça possível, o que aconselha uma desinibida e estreita colaboração com as instituições sociais que estão no terreno e que conhecem melhor do que o Terreiro do Paço quem verdadeiramente necessita de ajuda para sobreviver.
Não se pode esperar tudo do Estado. Felizmente, têm surgido admiráveis iniciativas da particulares no combate à crescente pobreza. Nada disto substitui uma política governamental para travar a pobreza, claro.
Só que em período de emergência todas as ações para ajudar quem passa fome são bem vindas. É o caso, por exemplo, do projeto “Porta Solidária”, que a paróquia do Marquês tem a funcionar no centro do Porto. O projeto estava inicialmente vocacionado para servir cerca de 40 refeições gratuitas aos sem-abrigo; agora serve 550 refeições diárias e espera chegar às mil. Mas o pároco Rubens Marques é lúcido e afirmou ao “Público”: “Espero que venha aí um programa estrutural de combate à pobreza, que se vai agravar ainda mais”.
A esquerda coletivista não gosta de ações assistencialistas e de tudo o que fica fora do Estado, mesmo em situações de emergência. É célebre a opinião segundo a qual dar esmola a um pobre é atrasar a revolução. Mas a ideologia não mata a fome e até a pode aumentar – basta lembrar Estaline, Mao ou a “monarquia comunista” que, há três gerações, domina a Coreia do Norte.
Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus