O jornal espanhol "El País" reuniu dez obras marcantes de escritores portugueses do século XXI, no âmbito da Feira Internacional do Livro de Guadalajara, onde Portugal é o país convidado, que termina no domingo.
Agustina Bessa-Luís, António Lobo Antunes, Dulce Maria Cardoso, Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Gonçalo M. Tavares, José Saramago, Lídia Jorge, Nuno Júdice e Sophia de Mello Breyner Andresen são os dez autores em causa.
A lista do crítico literário Antonio Sáez Delgado começa com o livro "Nós e a Europa ou as duas razões", de Eduardo Lourenço - "o Ortega y Gasset do país irmão" -, que é classificado como um brilhante ensaio que questiona o espírito europeu e a relação de Portugal e da Península Ibérica com o continente. Um livro que afirma que os portugueses e espanhóis são a primeira Europa, "apesar de tudo", e que "parece escrito ontem", apesar de terem passado trinta anos desde a sua publicação.
O “El País” destaca igualmente o livro "Todo el oro del día", que compila poemas de Eugénio de Andrade, que, depois de Fernando Pessoa, é o poeta português mais traduzido do século XX. O poeta mergulha no mistério da memória, através dos símbolos do corpo, da luz e das palavras, indica o jornal, que define a sua escrita como essencial e exata, na exploração de temas como o amor e as suas máscaras.
O título da coletânea, "Todo el oro del dia", provém de um poema de Eugénio de Andrade: "Colhe/todo o oiro do dia/na haste mais alta da melancolia".
José Saramago, o único Prémio Nobel da Literatura em língua portuguesa, está presente na lista com "O Ensaio sobre a Lucidez". De acordo com o “El País”, o livro apresenta uma reflexão analítica e inteligente, que continua atual, sobre o significado da palavra democracia, que se desgastou nos nossos dias: "Interpreta e disseca nestas páginas vibrantes os males da nossa sociedade, situando o leitor em frente a um espelho que funciona como um disparo na consciência".
O romance "A Sibila", de Agustina Bessa-Luís, transcende o tópico da epopeia rural para fazer um retrato coletivo da alma humana, atravessando a pele das personagens, numa história em que as mulheres têm um papel fundamental, aponta o jornal espanhol, acrescentando que esta "obra imprescindível" é pouco lida pelos falantes de espanhol.
A obra "O Arquipélago da Insónia", de António Lobo Antunes, encontra-se entre os livros mais marcantes, por "não deixar ninguém indiferente". O jornal “El País” fala do estilo inconfundível do escritor, que traçou um projeto literário "radicalmente pessoal", com romances que parecem longos poemas em prosa. Segundo o El País, Lobo Antunes consegue, atormentado pela experiência da guerra, emocionar o leitor até à lágrima, levando-o a um mundo repleto de vozes e ecos.
"Aprender a Rezar na Era da Técnica", um livro de Gonçalo M. Tavares, explora a anatomia do mal, numa reflexão sem fissuras nem concessões sobre o poder e a morte no mundo em que vivemos, de acordo com o jornal espanhol. Um romance com linguagem "sóbria e afiada como um bisturi", fundamental na arquitetura literária construída pelo autor, que passa por diversos géneros literários.
O “El País” destacou ainda o livro de Nuno Júdice "Devastación de Sílabas" - expressão vinda igualmente de um poema -, por considerar o trabalho do poeta português uma das aventuras literárias mais interessantes do último meio século, que despertou a atenção de Espanha e dos falantes de espanhol. O jornal sublinha ainda a linguagem lírica, pessoal e singular do poeta, na exposição dos enigmas da realidade.
O romance "A Costa dos Murmúrios", de Lídia Jorge, soube converter-se num testemunho da agonia vivida no final do império português, com a guerra colonial de Moçambique em primeiro plano, indica o El País, acrescentando que a obra concede à memória o papel de testemunhar uma sociedade em ruinas e, ao escritor, a função de assegurar a preservação dos valores mais profundos do homem.
O jornal chama também a atenção para uma antologia poética de Sophia de Mello Breyner Andresen, intitulada "Tiempo Terrestre", por permitir uma aproximação a um dos maiores nomes da lírica portuguesa do século XX. O livro contém 100 poemas da poetisa portuguesa, cuja obra é marcada pela procura de plenitude e pureza, através das palavras, que funcionam como fórmulas mágicas, segundo o El País.
O livro "O retorno", de Dulce Maria Cardoso, é apontado pelo jornal espanhol como um dos melhores romances portugueses dos últimos anos. Um "magnífico romance que nos prende com um ritmo e intensidade acelerados, sem descanso", sobre a história dos retornados de Angola a Portugal, no final da guerra, nos anos de 1970, e, em paralelo, o retrato de um mundo que se desmorona e de outro que surge pela primeira vez.
O encerramento da feira de Guadalajara acontece no domingo e conta com a presença do primeiro-ministro, António Costa, que passará o testemunho à Índia, convidado de honra de 2019.