Os hospitais têm dificuldade em respeitar os prazos máximos legais para primeiras consultas de psiquiatria. As consultas urgentes podem levar três meses a marcar, quando não devia levar mais de um mês, denuncia um relatório do Conselho Nacional de Saúde, que dá como exemplo os hospitais da Guarda e de Santa Maria, em Lisboa.
Já as crianças e jovens podem esperar até oito meses por uma primeira consulta com prioridade normal, revela o documento que é apresentado esta segunda-feira.
O estudo "Sem Mais Tempo a Perder: Saúde Mental em Portugal - Um Desafio para a Próxima Década" adverte que "se não forem alocados os necessários recursos humanos e financeiros para a concretização da prestação de cuidados de saúde mental na comunidade, esta "pode estar ameaçada".
O mesmo relatório denuncia ainda as desigualdades geográficas no acesso a cuidados de saúde mental. Por exemplo, o Algarve tem apenas um pedopsiquiatra no Serviço Nacional de Saúde.
Por outro lado, existe uma concentração de especialistas em psiquiatria, na faixa litoral entre Lisboa e Porto.
Planear recursos
O Estado deve planear os recursos humanos em saúde mental para a próxima década, eliminando as assimetrias geográficas e a escassez de profissionais, para que o Serviço Nacional de Saúde possa prestar cuidados de qualidade atempadamente, preconiza um estudo.
"O sistema de saúde ainda precisa de solucionar problemas sérios de acessibilidade e de equidade na prestação de cuidados de saúde mental", defende o estudo do Conselho Nacional de Saúde (CNS), advertindo que o Plano Nacional de Saúde Mental ainda não está plenamente implementado.
Segundo o estudo, há uma distribuição "muito assimétrica" dos recursos humanos, com escassez de pessoal em algumas regiões do país, sobretudo profissionais não-médicos, essenciais à constituição das equipas multidisciplinares em saúde mental.
Dificuldades de articulação
Alerta também para as dificuldades de articulação entre os serviços de saúde mental e os cuidados de saúde primários, que dificulta referenciação dos doentes.
Para os autores do estudo, estes constrangimentos podem estar na base do elevado consumo de psicofármacos em Portugal, uma vez que a grande maioria dos casos de depressão e ansiedade são tratados com medicamentos devido à ausência de terapia psicológica nos centros de saúde.
Em declarações à agência Lusa, o presidente do CNS, Henrique Barros, afirmou que o país partiu de "uma situação em que a doença mental era varrida para um espaço confinado, de esquecimento e de silêncio", em que "o número de profissionais era extraordinariamente exíguo".
"Esse foi o caminho que teve de ser feito, mas agora é tempo, naturalmente, de investir mais, de acelerar e de responder às necessidades que forem encontradas", defendeu.
Para isso, sustentou, é preciso aumentar, por exemplo, a resposta em termos de psicólogos e terapeutas no SNS, para fazer o caminho de "sair de uma medicalização excessiva e manifestamente desadequada, mas que é a resposta mais possível e imediata, para uma resposta mais correta, mas que exige mais relação humana, mais tempo, mais contacto".
Perturbações mentais são a principal causa de incapacidade
Em Portugal, as perturbações psiquiátricas têm uma prevalência de 22,9%, colocando o país num "preocupante segundo lugar" entre os países europeus. A depressão afeta 10% dos portugueses e, em 2017, o suicídio foi responsável por 14.628 anos potenciais de vida perdidos.
Adicionalmente, a demência assume uma frequência de 20,8 por cada 1.000 habitantes, o que posiciona Portugal em 4.º lugar entre os países da OCDE.
As perturbações mentais são a principal causa de incapacidade e a terceira causa em termos de carga da doença, sendo responsáveis por cerca de um terço dos anos de vida saudáveis perdidos devido a doenças crónicas não transmissíveis.
Uma estimativa (subestimada) dos custos com a doença mental em Portugal aponta para 3,7% do Produto Interno Bruto, correspondendo a 6,6 mil milhões de euros.