O Presidente da República recusou este sábado comentar o "caso concreto" de Pedro Nuno Santos, reiterando que, se houver incompatibilidades, devem cessar, mas não descartou uma fiscalização sucessiva da lei que estabelece o regime do exercício de funções políticas.
Em declarações aos jornalistas durante uma visita no centro histórico de Nicósia, em Chipre, Marcelo Rebelo de Sousa foi questionado sobre o caso que envolve o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, que, segundo uma notícia do jornal digital Observador, detém uma empresa com o pai que beneficiou de um contrato público por ajuste direto.
Na resposta, Marcelo disse que "nunca" fala de "casos concretos", reiterando que, nos "casos em abstrato", "se a lei define determinadas regras sobre incompatibilidades, e há situações que são abrangidas por essas regras, então há que fazer cessar a incompatibilidade".
"Há, no entanto, outras situações - não sei se porventura não é mesmo essa - em que não há incompatibilidades, porque a lei define determinadas percentagens de capital detido em empresas que celebram contratos públicos: se não se atinge essa percentagem, ou se não se atinge determinado valor no contrato, aí não se aplica a lei", referiu.
No caso de Pedro Nuno Santos, o chefe de Estado considerou que "é preciso ver o que é que se passa, se sim se não [se aplicou a lei], para não haver generalizações".
"Penso que uma coisa é afirmação dos princípios, depois outra é a aplicação dos princípios aos casos concretos. E, muitas vezes, começa-se pela aplicação dos princípios aos casos concretos e depois é que se vai ver o que é que diz a lei", referiu.
Questionado se, quando recebeu a atual lei, em 2019, não duvidou sobre a sua constitucionalidade, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu que, na altura, não viu "razão para levantar a fiscalização preventiva, nem ninguém na altura viu".
"Na altura, todos ficaram muito satisfeitos com a solução a que tinham chegado, porque respondia a uma preocupação efetiva de ética e de moral política", recordou.
No entanto, o chefe de Estado sublinhou que "a todo o momento é possível recorrer ao Tribunal Constitucional".
"Na altura, era o consenso - que me parecia sensato - não estar a levar essa matéria ao Tribunal Constitucional. Mas, como sabem, é uma questão que, em todo o momento, pode ser colocada em relação a qualquer lei", referiu.
Interrogado assim se tenciona suscitar a fiscalização sucessiva da lei, Marcelo respondeu: "É uma questão que pode ser apreciada. Não ponderei".
"Tenho que ver, provavelmente envolve várias leis e a conjugação de várias leis, teremos que ver. Sabe, também há outra coisa muito importante, que é o seguinte: um Presidente tem de, em cada momento, acompanhar aquilo que é o sentimento jurídico dominante", indicou.
Segundo o chefe de Estado, o "sentimento jurídico dominante mudou muito em Portugal nos últimos 40 anos, 30 anos, 20 anos", havendo realidades que eram anteriormente admitidas como sendo "constitucionais e eticamente não reprováveis" e que hoje já não o são.
"Há uma interpretação evolutiva da Constituição e da realidade. Portanto, há comportamentos que a sociedade portuguesa aceitava pacificamente no início da democracia e que hoje já não aceita. Provavelmente, haverá alguns que aceita hoje a não aceitará daqui a 10 ou 20 anos", ponderou.
Marcelo considerou que "esse medir da realidade" não cabe só ao Presidente da República, mas também ao Tribunal Constitucional.
"O Tribunal Constitucional tem, nalgumas matérias, revisto posições na sua jurisprudência, nomeadamente sendo mais exigente ou mais apertado do que o era no início da democracia", salientou.