​“O individualismo é um caminho de morte”, diz enviado do Papa
22-11-2018 - 21:45
 • Aura Miguel

Em entrevista à Renascença, à margem do congresso mundial de empresários de inspiração cristã, o enviado do Papa, monsenhor Bruno-Marie Duffé, defende que é preciso pensar um novo modelo de desenvolvimento e “reconciliar a pessoa com a comunidade”.

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“O individualismo é um caminho de morte”, alerta o monsenhor Bruno-Marie Duffé, membro do dicastério vaticano para o Desenvolvimento Humano Integral.

Em entrevista à Renascença, à margem do Congresso Mundial da União Internacional Cristã dos Dirigentes de Empresas (Uniapac), que decorre na Universidade Católica, em Lisboa, o enviado do Papa defende que é preciso pensar um novo modelo de desenvolvimento e “reconciliar a pessoa com a comunidade”.

O mundo precisa de um novo modelo de desenvolvimento?

A minha perspetiva vai de encontro ao que está no coração do Papa Francisco, ou seja, pensar um novo modelo de desenvolvimento e isso toca na vocação dos empresários e dos líderes da economia. É pensar um novo modelo de desenvolvimento que permita a realização de todas as capacidades humanas, que respeite a pessoa humana e também o bem-comum, a vida futura e o planeta.

Porquê? Considera que existem conflitos neste campo?

Porque vivemos com fortes tensões no seio da economia, entre a lógica do lucro imediato e do interesse particular e a lógica do cuidado pelo bem-comum. Por isso, é preciso não desencorajar os que estão na economia, para que produzam o necessário para a vida, mas, ao mesmo tempo, é preciso ajudá-los a descobrir a sua vocação de cristãos, sem esquecer o apelo à justiça, o respeito pela natureza, pelo planeta e seus recursos naturais, bem como pelas pessoas.

Há alguma indicação mais frequente do Papa Francisco?

O Papa Francisco incita-nos sempre a regressar à pessoa, a reencontrá-la, a encorajá-la, para que os mais pobres, os desempregados, os que sofrem de injustiça económica, ou são obrigados a abandonarem as suas terras, possam ser respeitados como pessoas e terem lugar no seio da comunidade humana.

Mas a Doutrina Social da Igreja sempre se preocupou com estas questões. Qual é agora a novidade?

Há coisas que são sempre atuais, como a dignidade humana, a responsabilidade partilhada, a solidariedade na globalização, mas o que é novo é a urgência de um conjunto de decisões que respeite a ecologia integral. Não se trata apenas de proteger certas espécies animais ou plantas, mas sim de proteger a vida e dar possibilidade para que amanhã as gerações futuras possam viver neste planeta. E passa também por desenvolver novas formas de trabalho.

Por exemplo?

Produzimos demasiado desperdício, porque produzimos demasiadas coisas. O que se pode fazer com o desperdício? Por exemplo: exploramos demasiado os recursos naturais, não será urgente procurar alternativas e utilizar outras formas de resposta, como a energia solar, a força da água ou do vento? Por exemplo: podemos viver sem plástico? Não será possível pensar noutras formas de transporte? São questões concretas, que tocam a vida quotidiana das pessoas e que implicam escolhas, dentro das próprias empresas e cujas decisões devem partir da iniciativa dos líderes e empresários.

É mais difícil cumprir esse pedido hoje, no meio de tanto individualismo? Como se sensibiliza alguém que deseja o lucro para o valor maior da comunidade?

Vivemos num paradoxo: nunca tivemos tantas possibilidades tecnológicas e partilha de conhecimentos, nunca tivemos como hoje tantos meios e instrumentos. Quando penso nos meus pais e avós, que trabalhavam no campo e tinham poucos meios, como é diferente desta nossa geração. Passámos de um modo de vida limitado, para um outro modo de vida em que a rapidez tecnológica muda a nossa perspetiva sobre o trabalho, sobre a produção e sobre o consumo. E, ao mesmo tempo, temos incríveis possibilidades tecnológicas e intelectuais.

Então, o que é preciso?

É preciso haver projectos, ou seja, ter a capacidade de pensar sobre o que é bom para a humanidade, para as pessoas e para as gerações futuras. Por isso, é preciso reconciliar a pessoa com a comunidade. Não podemos viver sem a comunidade, mas também não podemos pensar nas coisas só em termos de acumulação, de uma posição pessoal e individualista sobre o ter.

O individualismo é um caminho de morte. É preciso dizê-lo! Pelo, contrário, ao pôr em comum, ao encontrar-se e desejar o bem comum e do futuro da comunidade, renovamos o nosso modo de trabalhar e também de confiar nos jovens. Porque a grande questão do desenvolvimento é a questão dos jovens. São eles o futuro.