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O pedido foi divulgado oficialmente no dia 16 de março às 11h. Uma petição assinada por médicos, professores e investigadores apela à "disponibilização imediata à comunidade científica de todos os microdados pseudo-anonimizados existentes sobre doentes suspeitos (confirmados ou não) de COVID-19 em Portugal".
Uma semana depois a Direção-Geral da Saúde (DGS) não foi ainda capaz de dar resposta ao pedido. "É absolutamente inaceitável esta falta de transparência, porque é um empecilho à investigação científica em torno destas áreas", critica Jorge Buescu, docente na faculdade de ciências da Universidade de Lisboa, em entrevista à Renascença.
De acordo com o matemático "há várias equipas de investigadores que têm de facto dificuldades em avançar por não terem acesso aos dados em bruto".
Esta tarde a diretora da DGS avançou que, para além de Ovar, há outras localidades com indícios de transmissão comunitária. Porém, não adiantou quais. "Tudo indica - nós não temos toda a informação que gostaríamos de ter - que esta transmissão comunitária é uma transmissão muito controlada", disse.
Ao 22º dia de surto em Portugal não é ainda possível saber de que localidades são os casos registados e informações essenciais sobre os óbitos, como as idades e condição de saúde prévia.
Os boletins diários da DGS apresentam os dados agregados por região (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, ilhas e estrangeiro) e não é possível saber como se construíram as "cadeias de transmissão", que permitem compreender, por exemplo, a propagação do vírus em termos geográficos.
Teresa Leão, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), defende em declarações à Renascença que o acesso a esses dados "seria útil para a comunidade científica e para o apoio à decisão política".
Seria importante saber em que localidades há casos de contágio? Teria sido informação útil, por exemplo, para antecipar o problema de Ovar, há 6 dias sob cerca sanitária?
"Essas informações sobre a transmissão comunitária são úteis principalmente para profissionais de saúde pública, que se articulam com os hospitalares e com os cuidados de saúde primários, porque eles é que precisam de tentar gerir a melhor resposta possível naquele local e tentar isolar melhor as pessoas", explica.
Jorge Buescu vai ainda mais longe. "Portugal tem uma comunidade científica fortíssima, com capacidade para
ajudar numa crise destas e é incompreensível que ela seja marginalizada
por opacidade no acesso aos dados. Não é aceitável", reforça o
investigador.
A médica de saúde pública defende, no entanto, que a divulgação dos mesmo dados a toda a população pode ser prejudicial. "Temo que gere situações de pânico desnecessárias entre populações vizinhas e até mesmo situações de ostracizar e estigmatizar pessoas daquele local", diz.
"Na realidade se as pessoas pensassem que estão sempre em zonas de transmissão comunitária, talvez tivessem mais cuidado. A divulgação desta informação pode até trazer consequências mais negativas do que positivas", acrescenta.
Testar, testar, testar é o conselho da OMS. Como responde Portugal?
"Temos uma mensagem simples para todos os países: Testar, testar, testar. Testem todos os casos suspeitos. Não é possível combater um fogo de venda nos olhos e nós não podemos travar uma pandemia se não soubermos quem está infectado", alertou Tedros Adhanom Ghebreyesusdeu, diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), no mesmo dia em que foi lançada a petição de acesso aos dados da DGS.
Apesar do apelo claro, Jorge Buescu alerta que Portugal não estará a cumprir as indicações da OMS e que nos últimos dois dias o número de testes ao novo coronavírus indicado pelos boletins oficiais decresceu sucessivamente.
As autoridades de saúde não disponibilizam o número de indivíduos testados, mas Buescu acredita que o número de testes realizados em Portugal corresponderá ao total de casos suspeitos comunicados, uma vez que "somando os casos confirmados, não confirmados e que aguardam resultado se obtém o mesmo valor", explica. E para chegar ao total de testes diários, pelas contas do investigador, bastaria subtrair ao valor de casos suspeitos de determinado dia o valor do dia anterior.
Assim, o número de testes ao novo coronavírus em Portugal terá diminuido, progressivamente, nos últimos dias: seriam 2.122 testes no dia 20, menos 197 no dia 21 e menos 30 no dia 22. Números que fazem soar alarmes para o investigador, já que acredita que "distorcem as taxas reais de crescimento".
"A indicação é que quando se deteta um infectado, se localizem e testem todas as pessoas que estiverem em contacto com ele nas últimas 48 horas. Eu não posso afirmar, mas duvido muito que isto esteja a ser feito", afirma Jorge Buescu.
Questionada pela Renascença sobre o número absoluto de testes diários a Covid-19, a DGS não adiantou ainda nenhuma resposta.
Em conferência de imprensa, esta segunda-feira, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales. avançou que o Serviço Nacional de Saúde tem, neste momento, capacidade para realizar 2.500 testes diários e o setor privado mais 1.500 testes por dia.
"É todo o país que perde com esta falta de transparência e envolvimento da comunidade científica"
São milhares de casos em análise todos os dias, milhares de pessoas em observação e centenas de casos confirmados, números que dificultam a tarefa da DGS. Foi o que defendeu Graça Freitas esta tarde, em conferência de imprensa.
Em resposta à Renascença,
a directora-geral de Saúde esclarece que está a trabalhar em
metodologias de recolha de números exatos e promete mais transparência
na divulgação dos dados sobre os infetados e mortos pelo
coronavírus em Portugal.
Terea Leão sabe que "ainda não há essa transparência completa", mas acredita "que a DGS está a fazer o esforço de transmitir à comunidade científica a informação que tem".
Para Jorge Buescu "é todo o país que perde com esta falta de transparência e envolvimento da comunidade científica". "Pessoas mais informadas são capazes de se protegerem melhor", defende.
O Centro Europeu de Controlo de Doenças e a OMS pedem a partilha de dados de forma rápida para apoiar as decisões de controlo da epidemia, dados que disponibilizam à comunidade científica e ao público em geral. Os países europeus devem reportar casos confirmados de Covid-19 até 24 horas depois de identificados, através do Early Warning and Response System (sistema de alerta e resposta precoce) e de formulários do Sistema Europeu de Vigilância.
Na dependência da DGS funciona o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), que no plano de contingência para a Covid-19, divulgado no dia 9, surge como a entidade responsável pelo tratamento da informação epidemiológica. A DGS colocava, então, como objetivo "a partilha de informação entre as entidades competentes (local, regional, nacional e internacional) nas diferentes fases" por ser "essencial à tomada de decisão informada". Considerava ainda a possibilidade requerer a "adaptação e reforço do sistema nacional de vigilância epidemiológica, quer no âmbito de recursos humanos, quer na simplificação de processos ou alterações de estruturas de dados".
"O sucesso da resposta perante uma situação que possa colocar a saúde pública em risco, depende, também, da celeridade com que o conhecimento é gerado.", pode ler-se no plano nacional de contingência elaborado pela DGS. No final da primeira semana de surto em Portugal, o documento sublinhava ainda a importância da colaboração da comunidade científica para "compreender a frequência e forma de transmissão, a disseminação, o espectro e gravidade da doença causada e o impacto na comunidade".