A deslocalização do Infarmed pode ser uma "ameaça à saúde pública" em Portugal e também no mundo, alerta a presidente da instituição, Maria do Céu Machado.
Ouvida na comissão parlamentar de Saúde, a propósito de uma eventual deslocalização da autoridade do medicamento português de Lisboa para o Porto, anunciada pelo ministro da Saúde, a responsável deixou também duras críticas a um relatório pedido pelo Governo, que considerou superficial e opinativo.
Maria do Céu Machado critica duramente o documento. Não entende os benefícios da deslocalização e alerta para perigos para a saúde pública, para custos e para perda de credibilidade do Infarmed e de Portugal.
Resistência à mudança não é "birra"
A responsável começou por dizer que o facto de mais de 90% dos trabalhadores do Infarmed não quererem ir para o Porto não é por "birra", mas pelos custos pessoais, familiares e financeiros que a mudança acarreta.
E depois, respondendo aos deputados, disse que "obviamente" com a perda de trabalhadores vai haver perda de produtividade e isso é uma ameaça à saúde pública em Portugal, mas também no resto do mundo, porque há muitos medicamentos pelos quais o Infarmed é responsável durante todo o ciclo de vida.
"Somos um país de referência na avaliação de medicamentos, quando o país é responsável por uma avaliação é responsável por esse medicamento. Se estivermos dois ou dois anos e meio num processo de deslocalização", a quebra de atividade pode por "em risco" a segurança desse medicamento, o que levaria "a um problema" para todos os países da Europa e de outros países fora da Europa, avisou.
Depois, sobre a instabilidade que vive a instituição, disse Maria do Céu Machado que 20% dos trabalhadores têm intenção de sair do Infarmed.
"Ainda ninguém conseguiu perceber os benefícios" da deslocalização
Quanto ao relatório confessou que no Infarmed tinham "alguma expectativa", mas afinal, disse, não contém vários cenários, não se avaliou o custo-benefício da deslocalização, e sobre essa matéria não há mais que "um conjunto de frases sem evidência".
"Ainda ninguém conseguiu perceber os benefícios" da deslocalização, nem o relatório os aponta, disse Maria do Céu Machado.
"O grupo de trabalho [responsável pelo relatório] assume que há um risco de perda de trabalhadores, mas diz que se podem contratar novos. Todos sabemos que um concurso público tem uma duração média de dois a dois anos e meio", salientou a responsável, explicando que ir buscar profissionais a outras agências nunca seria possível e que só será possível recrutar "pessoas sem experiência".
E depois, acrescentou ainda, a saída de muitos profissionais devido à deslocalização vai reduzir pessoas para a atividade normal, "quanto mais para fazer formação".
E em relação ao laboratório, ao qual o grupo de trabalho "não deu importância", recolocar todo o equipamento e recalibra-lo poderá ter custos elevadíssimos, mas "nada está quantificado"
Maria do Céu Machado disse aos deputados que está a preparar o contraditório ao relatório do grupo de trabalho, que nas palavras da responsável foi feito com base numa auditoria externa de quatro dias que não percebeu o que é o Infarmed e que até tem informação incorreta e enganadora.
E disse ainda que Portugal tem responsabilidades no ciclo de vida de vários medicamentos, que com uma deslocalização teria de dizer que não conseguia seguir esses medicamentos "durante dois ou três anos", o que seria "gravíssimo".
E ainda que o Infarmed espera ser aprovado pela FDA (autoridade do medicamento dos Estados Unidos) até ao final do ano, o que significa "negócio para Portugal e para as empresas portuguesas", o que não acontecerá com a deslocalização, avisou.
Os deputados tinham direito a uma segunda ronda de perguntas, mas não a fizeram.