O Presidente da República admite que recebeu um email do seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, sobre o caso das gémeas que foram tratadas com um medicamento de dois milhões de euros no Hospital Santa Maria, em Lisboa, mas nega qualquer favorecimento.
Marcelo Rebelo de Sousa adianta que enviou esta segunda-feira para a Procuradoria-Geral da República as informações (mensagens eletrónicas), entretanto, apuradas pela Presidência sobre os factos ocorridos há quatro anos.
“Apurou-se que no dia 21 [de outubro de 2019] o Dr. Nuno Rebelo de Sousa, meu filho, enviou-me um email em que dizia que um grupo de amigos da família das gémeas se tinha reunido e estava a tentar a todo o transe que elas fossem tratadas em Portugal”, disse o chefe de Estado, em conferência de imprensa realizada no Palácio de Belém.
De acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, a intervenção da Presidência da República no caso das gémeas decorreu num período de dez dias, entre 21 de outubro e 31 de outubro de 2019".
Marcelo Rebelo de Sousa adianta que comunicou a situação ao seu chefe da Casa Civil, que dias mais tarde, “a 31 de outubro [de 2019], enviou, como faz sempre, para o chefe de gabinete do senhor primeiro-ministro” e também ao gabinete do secretário de Estado das Comunidades.
De acordo com o chefe de Estado, o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, contactou também a então assessora para os assuntos sociais da Presidência, Maria João Ruela, e o chefe da Casa Civil.
Em resposta enviada Nuno Rebelo de Sousa, a 23 de outubro de 2019, é referido que: "o processo foi recebido [pelo Hospital Santa Maria] e estão a ser analisados vários casos do mesmo tipo, estando a ser analisados doentes internados e seguidos em hospitais portugueses, sendo que a capacidade de resposta é muito limitada e depende de decisões médicas do hospital e do Infarmed", referiu Marcelo Rebelo de Sousa.
Mais tarde, o chefe da Casa Civil respondeu a Nuno Rebelo de Sousa que que: "a prioridade é dada aos casos que estejam a ser tratados nos hospitais portugueses, daí que ainda não tenham sido contactados, nem é previsível que o sejam rapidamente. O SNS cobre em primeiro lugar a situação de pessoas que residam ou se encontrem em Portugal. Os portugueses residentes no estrangeiro têm o direito a ser tratados pelos sistemas de saúde dos países onde residam nos termos das convenções de Segurança Social ou, no caso da UE, da legislação europeia".
Marcelo nega favorecimento
O Presidente da República nega qualquer favorecimento e garante: "olhei para o meu filho como qualquer cidadão".
“É o próprio Dr. Levy Gomes [diretor de neuropediatria do Hospital Santa Maria] que diz que eu lhe disse que não havia privilégio nenhum para ninguém e, por maioria de razão, para filho de Presidente. E este procedimento mostra isso. A posição da Dra. Maria João Ruela e do chefe da Casa Civil são muito claras sobre a convicção que havia de que realmente havia uma prioridade a dar a doentes residentes em Portugal ou que se encontrassem em Portugal e que não era previsível que houvesse uma resposta rápida àquela pretensão. É isso que resulta da documentação”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa.
Questionado pelos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa responde que tem todas as garantias para continuar no cargo de Presidente da República.
"Ai certamente. Fica claro que o Presidente da República Portuguesa, perante o pedido de um cidadão como qualquer outro, dá um despacho mais neutral e igual ao que deu em 'N' casos, respeita os contactos feitos pela consultora e a posição do chefe da Casa Civil e não há uma intervenção do Presidente da República pelo facto de ser filho ou não ser filho. E depois de ter ido para a presidência do Conselho de Ministros? Isso não sei", adiantou.
O Ministério Público confirmou em 24 de novembro que instaurou um inquérito sobre o caso de duas gémeas vindas do Brasil que foram tratadas no Hospital Santa Maria com o medicamento Zolgensma, um dos medicamentos mais caros do mundo.
Este caso foi revelado por reportagens da TVI, transmitidas desde 3 de novembro, que relatam que duas gémeas de origem brasileira, que entretanto adquiriram nacionalidade portuguesa, vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma para a atrofia muscular espinhal, o que representou um custo total de quatro milhões de euros.
A TVI tem repetido que neste caso há suspeitas de influência do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que negou qualquer interferência.
O caso está também a ser analisado pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e é objeto de uma auditoria interna no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do qual faz parte o Hospital de Santa Maria.