A escritora Esther Mucznik considerou este sábado que as suspeitas levantadas pelo "caso Abramovich" sobre eventuais irregularidades na atribuição da nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas devem ser investigadas, mas sem que tal signifique o fim da lei.
"Acho que se deve investigar, mas não acabar com a lei. A lei não deve sofrer por causa disso. Em Espanha também houve problemas e há sempre pessoas que se aproveitam; agora, o mundo inteiro não tem de pagar por isso. Não é a lei que deve desaparecer ou ser culpabilizada, mas sim as pessoas que prevariquem", disse à Lusa a autora, que já integrou a direção da Comunidade Israelita de Lisboa (CIL).
Reafirmando que vê "com bons olhos que se investigue", a especialista em temas judaicos admitiu a sua "pena pela situação" da Comunidade Israelita do Porto/Comunidade Judaica do Porto (CIP/CJP), em que membros da direção foram alvo de buscas e o rabino Daniel Litvak foi detido pelas autoridades na semana passada, sob suspeita dos crimes de tráfico de influências, corrupção ativa, falsificação de documento, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada e associação criminosa.
Apesar deste sentimento, Esther Mucznik realçou que este caso "ainda não está comprovado" e o rabino e líder religioso da CIP/CJP não deve ser julgado antes das provas obtidas em fase de investigação. .
Daniel Litvak terá sido responsável pela grande maioria (cerca de 88% entre 2015 e 2020, segundo dados do Ministério da Justiça) dos pedidos certificados neste período e submetidos ao Instituto dos Registos e Notariado (IRN).
"O que a lei exige realmente são provas documentais e culturais de ascendência judaica sefardita da época da Inquisição, ou seja, pessoas que tenham sido obrigadas a fugir pelas perseguições inquisitoriais e conversões forçadas. Não é fácil, mas consegue-se. A CIL leva o tempo necessário para comprovar essa ancestralidade", sustentou a também coordenadora da comissão instaladora do Museu Judaico, em Lisboa.
Assinalando o trabalho da comunidade sediada na capital portuguesa, onde "mais de 10 historiadores" e genealogistas analisam e decidem todos os pedidos que dão entrada nos serviços, Esther Mucznik lembrou a interpretação da lei pela CIL e algumas das principais diferenças face à atividade da CIP/CJP, que certificou a larga maioria destes processos. .
A divulgação da obtenção da nacionalidade portuguesa pelo empresário Roman Abramovich, em dezembro de 2021, através do jornal Público, veio a resultar na abertura de dois inquéritos: um pelo Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e outro pelo próprio IRN, que, entretanto, já assumiu que o mesmo originou um processo disciplinar, mas sem revelar o número de funcionários afetados pelo processo.
"O que nos interessa é a palavra tradição e a lei devia dizer claramente que certifica pessoas que comprovem a descendência judaico-sefardita de pessoas perseguidas pela Inquisição. Por isso, certificamos também não-judeus", notou, destacando a importância do "pacto de confiança" estabelecido com o Estado, quando ficou definido que "quem tinha mais possibilidade de dizer se uma pessoa era ou não descendente de judeu sefardita eram, de facto, as comunidades judaicas".
Para Esther Mucznik, a CIL tem feito "o possível e impossível para responder" a estes processos de naturalização com sucesso. Já sobre uma possível perda da nacionalidade portuguesa àqueles que a tenham obtido por via de meios irregulares, a autora considerou que se trata de matéria legal e evitou fazer comentários.
Em causa neste caso estarão alegadas irregularidades cometidas em processos de atribuição da nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas, que se encontram em investigação. Os judeus sefarditas são originários da Península Ibérica e foram expulsos de Portugal no século XVI.
Entre 01 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2021 foram aprovados 56.685 processos de naturalização para descendentes de judeus sefarditas num total de 137.087 pedidos que deram entrada nos serviços do IRN. .
De acordo com dados enviados em fevereiro à Lusa pelo Ministério da Justiça, apenas 300 processos foram reprovados durante este período, restando, assim, segundo os dados registados no final do último ano, 80.102 pedidos pendentes.