Hong Kong assinala na terça-feira um ano de protestos pró-democracia, apenas estancados pelo novo coronavírus, num momento em que as velas pelas vítimas de Tiananmen ajudam agora a reacender o movimento.
“Ao ver [na quinta-feira] milhares de cidadãos reunidos no Victoria Park para comemorar o massacre de 4 junho, apesar do aviso policial de que esta seria uma reunião ilegal, podemos prever que as pessoas são corajosas o suficiente para voltar às ruas”, conta à Lusa o vice-coordenador da Frente Cívica de Direitos Humanos (FCDH), Eric Lai, organização que representa mais de uma dezena de partidos e organizações não-governamentais e responsável pelos maiores protestos que aconteceram ao longo do ano passado.
Só nos últimos meses houve vários momentos tensos a antecederem a data que marca um ano do início das manifestações.
A chama, quase extinta devido à Covid-19, reacendeu-se com a detenção de mais de uma dezena de ativistas e ex-deputados pró-democráticos em meados de abril, entre os quais o “pai” da democracia de Hong Kong, Martin Lee, acusados de organizarem manifestações, o que levou a vários protestos em centros comerciais e em algumas ruas da cidade e, com isso, a mais detenções.
Depois veio a polémica lei da segurança nacional, cujo projeto de Lei foi aprovado durante o encerramento da sessão anual do legislativo chinês, no dia 28 de maio. O projeto de lei recebeu 2.878 votos a favor, um contra e seis abstenções.
Uma lei criticada pela maioria da comunidade internacional e que levou os Estados Unidos a deixarem de considerar Hong Kong um território semi-autónomo da China continental.
A lei de Pequim feita para Hong Kong proíbe "qualquer ato de traição, separação, rebelião, subversão contra o Governo Popular Central, roubo de segredos de Estado, a organização de atividades em Hong Kong por parte de organizações políticas estrangeiras e o estabelecimento de laços com organizações políticas estrangeiras por parte de organizações políticas de Hong Kong".
“Isto destruirá completamente a fórmula ‘um país, dois sistemas’ e transformará [Hong Kong] em ‘um país, um sistema’. As nossas liberdades e direitos serão todas privadas”, denuncia à Lusa a ativista de Hong Kong Agnes Chow, membro do partido pró-democrata Demosisto.
Agnes Chow refere-se assim ao acordo, assinado quando Hong Kong foi devolvido pelo Reino Unido à China em 1997, que garantia ao território 50 anos de autonomia e liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio "um país, dois sistemas", que termina oficialmente em 2047.
Para terminar, na quinta-feira o parlamento de Hong Kong aprovou o controverso projeto lei que criminaliza ofensas contra o hino da República Popular da China, num debate quente, que chegou a ser interrompido por protestos de deputados pró-democracia, no mesmo dia em que se assinalou o 31.º aniversário do massacre de Tiananmen.
Horas depois, milhares de velas foram acesas na antiga colónia britânica para lembrar as vítimas do 4 de junho 1989, um evento que a China até hoje se recusa a reconhecer.
Milhares de pessoas desafiaram as proibições de concentração de mais de oito pessoas, impostas pelas autoridades, numa medida para conter a pandemia da Covid-19, reacendendo assim o ‘espírito’ do movimento pró-democracia.
O movimento ressurgiu no ano passado, dia 9 de junho, quando centenas de milhares saíram às ruas para protestar contra as emendas à lei da extradição que a líder de Hong Kong, Carrie Lam, queria fazer passar.
Motivados pela proposta que permitiria a extradição de suspeitos de crimes para a China continental, os protestos evoluíram para uma campanha pró-democracia. A proposta acabou por cair após manifestações que chegaram a levar dois milhões de pessoas às ruas.
Restam agora quatro reivindicações: a libertação dos manifestantes detidos, que as ações dos protestos não sejam identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial e, finalmente, a demissão da chefe de Governo e consequente eleição por sufrágio universal para este cargo e para o Conselho Legislativo, o parlamento de Hong Kong.
Contudo, ativistas e políticos pró-democracia adivinham que a situação se complicou com a aprovação da lei de segurança nacional e que esta poderá levar a detenções e prisões em massa.
“Este é o momento crítico do início do fim para cada cidadão de Hong Kong”, defende à Lusa o ativista Joshua Wong, uma das figuras mais mediáticas do movimento pró-democracia.
“Para lutar por qualquer leve esperança de democracia sob as garras autoritárias da China, insistimos. Não porque somos fortes, mas porque não temos outra escolha”, disse, o ativista de 23 anos, que chegou a ser indicado para o prémio Nobel da Paz em 2018.
O objetivo, diz, por mais difícil que seja, é continuar as manifestações para continuar a colocar pressão externa sobre a China, pelo menos até às eleições legislativas no território, agendadas para setembro, após a ala pró-Pequim ter perdido as eleições locais, no ano passado, em 17 dos 18 distritos.
“Precisamos de tomar a maioria no Legco [parlamento de Hong Kong] em setembro para pressionar Pequim”, sublinha, numa ideia partilha também pela jovem ativista Agnes Chow: “Embora não tenhamos a certeza se a eleição será realizada devido à situação política e à lei de segurança nacional, a próxima eleição é muito importante para que os democratas tenham mais da metade dos assentos para mostrar a nossa opinião pública ao mundo”.